Um elogio à preguiça e outras lavras preguiçosas: ode ao não fazer nada
Um elogio à preguiça e outras lavras preguiçosas: ode ao não fazer nada

Um elogio à preguiça e outras lavras preguiçosas: ode ao não fazer nada

por Andreia Santos,

escritora e navalhista assistente

(perfil completo)

[..] “A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda”. [..], esse é um trecho do livro Da preguiça como método de trabalho (Alfaguara, 2013), de Mário Quintana, em que ele desconstrói o conceito de que somente com o trabalho árduo, pesado, metódico e quem sabe suplantando todas as necessidades do homem é que haveria um mundo em que tudo seria produzido prontamente e imediatamente. No entanto, os defensores do movimento em que o labor, ocupando toda nossa vida, iria construir uma sociedade próspera.  Mas e os insights nos momentos de lazer, do não fazer nada? Sucumbidos a horas, quase intermináveis de produtividade, não damos vazão aos outros setores da vida que precisam de descanso e de uma mente ociosa para produzir. É o caso da arte.

O prólogo acima tem o intuito de apresentar um livro que realiza uma ode a preguiça e seus desdobramentos: “Um elogio à preguiça e outras lavras preguiçosas”, de Giovani Miguez (2024), nos apresenta noventa e quatro poemas que produziu concomitantemente à sua tese, vale ressaltar que em apenas um mês, de fevereiro a março de 2023. Mas seria um preguiçoso alguém que poetiza a preguiça? Tomemos como resposta o poema Miguez: Preguiça de escrever: a preguiça de escrever/ não impede/ o poema de nascer/ quando o poeta só pede/ paz.

Vários autores abordaram a preguiça na sociedade, um dos mais conhecidos é “O ócio criativo” (Sextante, 2001), de Domenico De Masi, na obra afirma que trabalho, vida pessoal e estudo devem estar em equilíbrio para que as pessoas possam produzir com criatividade. “O ócio pode transformar-se em violência, neurose, vício e preguiça, mas pode também elevar-se para a arte, a criatividade e a liberdade”.

Miguez, por seu turno, faz uma contundente crítica à sociedade do trabalho, aquela que romantiza os empregos. Adultos que vão se acostumando a empregos com cargas horárias desumanas, sempre com a desculpa de afirmar e reafirmar que são produtivos.  Tem um humor refinado, e uma ironia cortante. No poema Trabalho: nem no feriado/ o poeta deixa o poema/de lado?

Os poemas, em sua maioria, são curtos. Seria a por preguiça? No entanto, são bem alinhavados e demonstram traço refinado. Pondo a metalinguagem sempre presente: “Preocupações”: mesmo que de preocupações/ caíssem todos os meus cabelos/ eu não iria desistir/ de redigir meus poemas/ pois, são dos dilemas/ neles contidos/ que nasceram todos os apelos/ e as transformações/ que tenho tido.

O autor ainda relaciona a preguiça com outros temas atrelados ao homem contemporâneo, como a tecnologia e ansiedade, além da Sociedade da Urgência, indubitavelmente crê em tudo que está nas redes, outro aspecto é falta de ineditismo, tudo se mostra, tudo se fala, tudo se antecipa, causando um efeito do “já vi, já ouvi, já falei”, transformando as pessoas em vítimas de um tédio sem precedentes. O poema “Outros Tempos” é exemplo disso: […] mal sabemos o que fazer/ das horas livres que vamos/ter/diante do ócio/neuróticos/perdemos o controle/até de nossos/pânicos.

Miguel nos convida a “preguiçar” e, é nesse momento, de não estar realizando algo ou fazer-se extremamente ocupado, que a mente pode apresentar de forma brilhante ideias envolventes. Em meio a poemas irônicos, o autor não perde o deboche, mas sempre com requinte. A escrita lancinante, fatia para nos deixar inteiros.  Em um mundo em que tudo é para ontem, os temas contidos nos alerta o quanto estamos correndo para lugar algum. E é na trivialidade que talvez encontremos nossa felicidade.

Os versos contêm essa força, uma alegria que vem do escárnio, mas que também nos possibilita pensar qual o nosso papel em uma sociedade exausta, mas que insiste nos clichês, “trabalhe e estude enquanto eles dormem”. E o tempo que nos resta, o que estamos fazendo enquanto eles estudam e trabalham, apenas dormindo, aproveitando o que deve ser desfrutado preguiçosamente, como um passeio, um momento com a família. Um encontro de si mesmo. “Na praia”: diante daquela água fria/ o poeta olha a cria/ e, enquanto a cerveja Praya/ esquenta, ele esfria/ a cabeça sob a sombra/ do chapéu Panamá/ e, ali, nas ondas do mar/ desenha como fotografia/ a sua poesia.

Ler a poesia de Miguez é um luxo delicioso, que deve ser degustado no ato de não fazer nada, para não perder-se e sim perder-se pelas ruas largas que o autor nos mostra, conduzindo a um mundo, sem complicação, mas repleto de densas passagens que nos fazem refletir: para que tanta ocupação? Em suma, o poema “Sonhar e viver” reflete esse sentimento da vastidão do “preguiçar”: O corpo repousa/ enquanto isso a alma/ decola no sonho e no viver/ pausa.


Giovani Miguez

Giovani Miguez é poeta, escritor e servidor público. Especialista em Sociologia e Psicanálise, mestre e doutor em Ciência da Informação, com formação em Biblioterapia e mediação de leitura. Nascido em Volta Redonda (RJ), hoje reside no Rio de Janeiro. É autor de  15  livros, entre eles os recentes Um elogio à preguiça, Amor fati e Notações paridas (Uiclap, 2024). Na sua poesia, Miguez explora a expressão e reflexão existencial. Ora lírico, ora político, ora científico, mas sempre est(ético), o poeta segue sendo profundo em suas generalidades.

2 comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *