Com a navalha: Pedro Albuquerque. Vamos de 7 poemas:

DITA-DORES
Porque o pássaro voa
Damos o pátio ao cão
Porque o cão corre
Damos-lhe um portão
Porque o portão se abre
Damos-lhe um trinco
Porquê?
*”DITA-DORES” ganhou o 3° Prémio no concurso “Poesia na Corda” de São João da Madeira.

AQUELA RUA À DIREITA
Aquela rua à direita
Plena de jornais e vitrinas
Vaza o aroma dos álamos
Entre as margens do alcatrão
Aquela rua à direita
Como manta do teu lado corrida
É a rua à esquerda da minha.

FOSTE
Foste a vida que me passou
Foste o tempo e a hora marcada
Foste a albufeira e a monção
Onde de tudo nada foste
O amanhã e o que vivo
Foste as minhas mãos no campo
A enxada a foice e o crivo
As flores doces e os frutos sãos
Meu tambor meu sino
Meu carvão foste o fio franco o fio
Num nó esgaço o veleiro sem vela
Na vaga hesitado foste
A luz que reluz e me gasta
Foste tudo o que me castra
Foste o fim que por mim alastra
E o que alastra no enoitecer da vida
A morte abafa
Foste como foste
E como foste, fui.

PERDIDO
A simplicidade das rosáceas
O cantar dos grilos
O cheiro a mercúrio nas terras
Os carros sujos e as casas velhas
O sol vago
A manhã atrasada
Os cães calados na largura da estrada
Tudo me fala tudo me extasia
Como se amanhã não estivesse cá
Ou novamente não houvesse dia.

ARTILHARIA PESADA
Na defesa estreita do papel
Uma caneta barrica-se
E lança sua pólvora
Mais seus q’s de fumo
Na esperança de vencer
Ou somente desorientar
O mundo num argumento
Pois se a caneta é uma arma
As palavras serão seu chumbo
Conclui-se.

HINO ÀS MULHERES DE LETRAS*
Boa-noite
Eu sou Sophia
Eu sou Cecília
Eu sou Natália
Eu sou Kátia Nascimento
Eu sou Flor Campino
Sou Florbela e Agustina
Eu sou As três Marias
Sou Maria Velho da Costa
Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno
Eu sou Lídia Jorge e Isabela Figueiredo
Eu sou Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães
Sou Lygia Fagundes e Clarice Lispector
Sou Teolinda Gersão e Toni Morrison
Eu sou Isabel Allende e sou Emily Bronte
Eu sou Luísa Costa Gomes
Eu sou Virginia Woolf, Jane Austen e Harper Lee
Eu sou Agatha Christie
Sou Maya Angelou e Margaret Atwood
Sou Paulina Chiziane, Hélia Correia, Manuela de Freitas
Maria Caetano Vilalobos, Filipa Leal e Anne Frank
Eu sou Ana Plácido e Ana Luísa Amaral
Eu sou Rosa Alice Branco
Eu sou Maria do Rosário Pedreira
Eu sou todas as mulheres que li
Eu sou todas as mulheres de onde vim
TODAS AS MULHERES de onde vim
E só por elas poderia estar aqui
Hoje
Só por elas poderia começar
Começar pelo início
Pela origem
Pela maternidade da palavra
Porque eu sou a palavra
E a palavra é Mulher.
*poema escrito por Pedro Albuquerque para abrir a sua participação no espetáculo de declamação “Purga”, no espaço NAV (Lisboa, 4 de outubro de 2024)

PLENITUDE
A poesia resume-se a isto:
Silêncio
Entre as palavras
Que não preciso dizer-te.

Pedro Albuquerque nasceu em Aveiro (Portugal) em 1992 e, desde cedo, mostrou apetência para as artes. Antes de escrever, já ditava seus textos e, aos 6, descobriu a poesia e a declamação. Mestre em Engenharia de Produto, trabalhou vários anos na área até se virar para dentro e não mais largar os livros. Em 2022 lançou “ExTratos Dramáticos” e, imediatamente, começou a participar em Feiras do Livro, programas de rádio e televisão e a dar palestras em Universidades. Ultimamente, tem publicado em antologias, revistas e jornais nacionais e internacionais (Brasil, Chile, México, Espanha…), estando a terminar o próximo livro.
IMPORTANTES
E-mail: dalbuquerquemvez@gmail.com
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