
“APENAS UM REFLEXO NA ÁGUA…”
Apenas um reflexo na água, por irredimível vocação.
Apenas um reflexo na água,
por todos que despertam com a vontade de bastar em curta melodia;
por todos que afundam cada deus no sangue –
quando o espírito repleto retém o grito de quem nasce no escuro…

A GEORG TRAKL
Vedado, afinal, pelo dourado das encarnações…
Sempre nas vésperas da ardência, do romance…
O homem perdido na floresta em vapor.
Não trago o segredo de um sonho sem altitude.
Sempre d’outro lado a centelha da promessa…
Ouves o grito sem a exclamação da luz?
Acoberto no sonho as almas d’orvalho gelado…
O poente sem extensão… Glória de sussurros!…

“DEPOIS QUE APEDREJARAM A JANELA DO MEU PEITO…”
Depois que apedrejaram a janela do meu peito,
eles puderam espiar o fugitivo
– acolhido como um filho sagrado…
Mas, com a alma condenada ao longo dia,
nenhum de nós pôde soltar a voz – sem que a danada se perdesse numa outra vida…

DIANTE DA OBRA HUMANA
Deus chora…
Acima de tudo,
Ele chora por saber que não podemos superá-Lo.

O PULO DO CÃO
Conseguem ouvir?
Conseguem ouvir a nota mais alta do coro?
Não adianta algazarra para cobrir o tom. Não adianta tapar os ouvidos.
Ainda assim, de alguma forma,
pega-nos o mais bravo dos cães: pega-nos a nota mais alta!…
Antes, para cada lado dos limites de Corinto
correu, esbaforido, um cão:
correram de Diógenes os tantos demônios que em vida o impregnaram…
Agora, sobre o enlameado monte das lendas,
apenas o esboço de um cão danado…
E uma parte do coro ainda por chamar – aquela fera que corre na língua…

“SOBRE MINHAS PALAVRAS…”
1.
Sobre minhas palavras, árvores que tombam…
A pele trocada de um sonho a mais
e a impossibilidade de deixar pra trás o indivíduo ainda preso na miragem…
2.
Sobre minhas palavras, mais um dia perdido atrás de imperiosa promessa…
3.
Sobre minhas palavras, o bosque devastado…
E suas almas, ainda humanizadas,
sentindo mais a tal premissa de correr – para junto de animais emudecidos…

Diego Fernandes Moreira [São Paulo, 1982] estudou Cinema na capital paulista e formou-se em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). É autor do livro de aforismos O Último Estranho (Multifoco, 2022) e da plaquete de poemas O Mar Revolto Debaixo da Cama (Costelas Felinas, 2023).
Parabéns caro Diego, muito bom ver seu trabalho se estender para uma bela trajetória.
Parabéns também à edição da revista Navalhista
Grato pelas palavras. Grande abraço!