Vamos abrir o mês de agosto na companhia do poeta pernambucano Thiago Medeiros. Dele, a Editora Patuá publicou o livro Claro É O Mundo À Minha Volta (2019). O autor também publicou Cidade Finada (2020), pela Editora Telucazu, além de organizar a antologia Nós Que Aqui Estamos – Nordeste (2021), pela editora caruaruense Arrelique. Dos 5 poemas que vamos conhecer, o poema “Certa vez nos tiraram grandes pedaços” foi um dos vencedores do FEMUP 2020. Já o poema O poema “Meus pés não condizem com calendários” está em próxima obra Sou a Pronúncia do Teu nome, que acaba de sair pela Editora Urutau.
QUE GUARDAM FINADOS
não
viverei com
mais
ninguém
um
mês de
junho
agora
que é
tão
parecido
ao
mês de agosto
ou
ao mês de março
lembrando
até mesmo
calendários
maias
e
aquele no qual
acrescentaram
brumário
–
nenhum
deles
nos
fala nada
–
o
mundo não
costumava
morrer
em
junho
guardavam
finados
setembro
ou janeiro
mas
há três anos
meu
mundo morre
em
junho sim
já
é junho
outra
vez
e
agora
morre
um
mundo
em
mim
PEQUENAS
VARIAÇÕES DE COLLE
mordo
fronhas
com
gosto de alfazemas
mordo
fronhas
de
todas as camas
que
não foram nossas
mordo
fronhas
enquanto
o mundo
me
come
por
todos os poros
por
todos os buracos
por
todas as crateras
criadas
por excesso
de
peso
então
o mundo
me
come o peito
e
sacia-se
completo
em me
comer
a fome
os
dentes do mundo
trituram
meus nadas
todos
os
todos
tão
longe
guardados
em
teu
peito
então
mordo
fronhas
enquanto
de
fome
alimento
o
mundo
enquanto
o
mundo
me alimentar
de
fome
HÁ
PARDAIS SOBRE O DESLEIXO
em
dias de leprosário
engordei
pardais
brincava
de divindade
colorindo
a aridez
do
solo
com
maná de ração
para
jabutis e fubá
os
pardais comem
quando
saio
e
se volto
debandam
compreendo
esse
receio
não
sei nada
sobre
voos
não
sei nada
sobre
cantos
não
sei nada
sobre
ninhos
minhas
penas
não
estão à
mostra
são
apenas minhas
sobre
mim mesmo
tão
internas
que
diria
águas-vivas
em
metástase
–
sempre queimam
queimam
sempre
belezas
de águas
profundas
–
embora
do
pouco
pardal
que
sou
também
me sacio
apenas
quando
longe
da
sombra
de
quem me
alimenta
não
sei nada
sobre
alimentar
filhotes
com o bico
não
sei nada
sobre
temer
miudeza
das pedras
mas
sobre
receio
de
sombras
maiores
que
me
alimentam
disso
entendo bem
esses
dias de leprosário
fizeram
de mim
cria
de pardal
também
CERTA
VEZ NOS TIRARAM GRANDES PEDAÇOS
dizem
de
certa minha tia-avó
ser
uma mulher
azeda
sem
linhagem
sem
amores
voz
de lixa
minha
bisavó
aquela que rezava
a
tantos e tantas até
que
murchassem os
galhos
de arruda, eu
mesmo
tantas vezes
afastado
de quebranto
e
olhado sob as rezas
de
sua boca em carne
mole
ausente de dentes
certa
vez notou
que
a mulher
azeda
[dizem
que
já
foi uma
menina
e
teria
sido
nessa
época]
não
comia
toda
a comida
do
prato
e
as sobras
não
iam
ao lixo
decidiu
se
esconder
a
mulher
que
ainda não era
azeda
mas
uma menina
e
diziam ser
minha
tia-avó
punha
as sobras
na
barra da saia
e
sumia no quarto
afastava
a cama
abria
uma caixa
–
não sei do que
eram
as caixas
naquele
tempo
papelão
madeira
porcelana
ágata
zinco
mas
caixas
sempre
foram
esconderijos
para
maiores
pequenos
amores
–
minha
bisavó
que
desde sempre
rezava
agarrada
em
galhos de arruda
afastando
quebrantos
doenças
mazelas
olhados
viu
a filha
que
ainda não
era
azeda
nem
minha
tia-avó
talvez
apenas
menina
alimentar
um filhote
de
rato
com
a comida que preparava todos os dias
com
a comida que mandava para meu bisavô todos os dias enquanto ele mutilava
pedaços de terra com enxadas para então fecundá-la em sementes que não eram as
dele
estranha
orgia
de
metal
de
homem
de
planta
de
terra
com
a comida que cozinhava para as quatro crias todos os dias desde que parou de
amamentar
quando
rezava
minha
bisavó
falava
de São
Miguel
Arcanjo
–
aquele homem de saias
agarrado
a uma espada
e
balança, enquanto pisa
o
rosto de satanás –
que
protegia
o
menino jesus
na
manjedoura
quando
rezava
minha
bisavó
falava
de São
João
do Carneirinho
eternamente
menino
agarrado
às lãs
dos
cordeiros
quando
rezava
minha
bisavó
falava
de Lúcia
Jacinta
e Francisco
tão
puros
anunciando
as
palavras de
Nossa
Senhora
de
Fátima
quando
viu o rato
ainda
filhote
alimentado
amado
e
até acariciado
pela
menina que
não
sabia que
seria
azeda
minha
bisavó disse coisas
mais
ou menos assim
desgraçada
miserável
louca
imprestável
sua
herege
dando
comida de cristão a um bicho horrendo
não
respeita meu suor
não
respeita teu batismo
então
minha
bisavó
obrigou
a filha
–
que não era
minha
tia-avó
e
não sabia nada
sobre
azedumes –
a
jogar o filhote
de
rato
no
galinheiro
às
vezes
penso
em
deus
me
pergunto
se
ele se
compadeceu
do
filho
açoitado
cuspido
crucificado
[toda
aquela
história
contada
por
Mel
Gibson,
você
com
certeza
lembra ]
e
se chorou
e
se lamentou
e
se houve luto
deve
ser traumático perder um filho assim
mas
estamos
falando
de deus
não
sei se a ele
cabem
lágrimas
e
dores e gemidos
e
manhas e lutos
mas
se
sentiu algo
foi
bem parecido
com
aquela menina
vendo
o pequeno
maior
amor
desses
que escondemos
em
pequenas
caixas
morrer
sob os
bicos
das galinhas
dizem
de
certa minha tia-avó
ser
uma mulher
azeda
MEUS
PÉS NÃO CONDIZEM COM CALENDÁRIOS
conto
lembranças
a
década e meia
–
pouco
mais
ou
pouco
menos
–
das
boas
me
faço
concha
as
que
latejam
me
fazem
um
desacato
ao
corpo
é
de mãos tardias
esse
dolorimento
há
sempre
um
despeito
no
recorte dos
calendários
não
sei se por
guardarem
todos
os
dias que vivi
e
alguns mais antigos
guardam
dias que não
deixei
pegadas
e
alguns trazem dias
que
nunca viverei
de
gerações inteiras
que
poderiam me dizer
esses
dias
assim
como
os
que você
não
viu
e
também
os
que acha
que
enxergou
com
esses
olhos
embolorados
de
presente
são
apenas
inviáveis
para
você
–
acreditar
que
esse
momento
não
termina
não
faz de
ninguém
imortal
–
conto
lembranças
a
década e meia
–
pouco
mais
ou
pouco
menos
–
enquanto
repasso
a
ordem dos dentes
na
ponta da língua
um
ciso florescido
um
outro indeciso
tem
medo do mundo
e
também as mandíbulas
têm
medo do mundo
e
os nomes de todos os
filhos
e filhas que jamais terei
têm
medo do mundo
ismael
pérola
gregório
maria
flor
até
mesmo uma valentina
sequer
encarnados
têm
medo do mundo
conto
lembranças
a
década e meia
–
pouco
mais
ou
pouco
menos
–
e
brinquei sobre
qualquer
coisa
à
mesa
terminando
o que
achava
ser engraçado
na
seguinte afirmação
eu
vou morrer
minha
filha
que
não conta
lembranças
a década e meia
talvez
dias
talvez
horas
talvez
meses
com
algum esforço
pediu
não
quero que você morra
quem
te falou sobre isso
adormeço
dedos
calcanhares
e axilas
ao
perceber que tão
cedo
você
também
tem
medo do mundo
conto
lembranças
a
década e meia
–
pouco
mais
ou
pouco
menos
–
e
aqueles que
me
foram ídolos
dessas
gentes
que
morrem
aos
vinte e
sete
dessas
gentes
que
morrem
aos
sessenta e
seis
no
palco me lembravam
o
rosto da minha filha
ao
dizer
não
quero que você morra
jim
morrison
luiz
melodia
em
algum momento
me
lembram
crianças
em
algum momento
me
lembram
minha
filha
que
um dia
terá
vinte e sete
que
um dia
terá
sessenta e seis
que
um dia
contará
lembranças
a
década e meia
–
pouco
mais
ou
pouco
menos
–
que
um dia
compreenderá
a
conduta desrespeitosa
de
todos os calendários
que
um dia
verá
minhas
fotos
e
dirá
me
lembra uma
criança
assustada
dessas
que olham
pai
e mãe e dizem
não
quero que você morra
conto
lembranças
a
década e meia
–
pouco
mais
ou
pouco
menos
–
e
minha língua
repara
tenho
três
dentes
quebrados
desses
que calharam
batizar
por pré-molares
e
ninguém repara
pois
não moldam
sorrisos
–
de
tudo um sorriso esconde
língua
fiapos
cisos
molares
desregulação
do sono há seis meses
recusa
ao retorno do tratamento medicamentoso
a
certeza que você não conseguirá mais conviver sob o mesmo teto com mais ninguém
além dos cigarros que fuma na cama e impregna fronhas lençóis e colchão com o
provável cheiro dos seus pulmões
–
conto
lembranças
a
década e meia
–
pouco
mais
e
pouco
menos
–
e
os sapatos
de
número
vinte
e quatro
já
não cabem
nos
pés da
minha
filha
–
eu
de
tão bipolar
de
tão assimétrico
que
me resto
tecnicamente
calço
quarenta e dois
no
pé direito
e
calço
quarenta e três
no
pé esquerdo
então
aperto as pontas
dos
sapatos calçados
em
minha filha
e
comemoro
simetria
há
algo simétrico
feito
por mim no
mundo
–
conto
lembranças
a
década e meia
–
pouco
mais
ou
pouco
menos
–
e
me pergunto
onde
ela ouviu
falar
sobre este
sumidouro
talvez
na ida às missas
talvez
deduza pelo crucifixo em meu peito
talvez
quando caem os jasmins no terraço da avó
talvez
enquanto observa borboletas levadas pelo vento
talvez
no dia que encontrou um peixe à beira mar e o devolveu às águas e se despediu e
ele boiava e eu pensei que ela agradecia aos acenos de uma piaba imaginária
qualquer quando na realidade ela descobria a verdade que todos os calendários
do mundo esfregam em nossos olhos embolorados de presente todos os dias
enquanto cogitamos sempre brevemente que talvez sejamos imorredouros diferente
de jim morrisson e luiz melodia que tinham cara de crianças assustadas no palco
ao pedir ao pai que não morra por favor eu não quero que você morra
conto
lembranças
a
década e meia
–
pouco
mais
ou
pouco
menos
–
e
tenho dentes quebrados
e
pés assimétricos
e
indecisão nos cisos
e
medo do mundo
porque
nada
nem
ninguém
nem
mesmo calendários
acompanham
a ruína
dos
nossos pés
assimétricos
ou
não
Sobre o autor:
Thiago Medeiros é pernambucano de Caruaru. Escritor e agitador cultural. Idealizador
do Encontro Literário Letras Em Barro e da Oficina Levante Literário. Publicou o livro de contos “Claro É O Mundo À Minha Volta”, Editora Patuá.. Lançou em 2020 a coletânea de poemas “Cidade Finada”, Editora Telucazu. Organizou a antologia Nós Que Aqui Estamos – Nordeste, pela editora caruaruense Arrelique. Aguarda o lançamento de “Sou a Pronúncia do Teu Nome”,
pela Editora Urutau. Escreve para não esquecer de si mesmo.
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