THAINÁ CARVALHO – 10 poemas
THAINÁ CARVALHO – 10 poemas

THAINÁ CARVALHO – 10 poemas

Os primeiros poemas de setembro vêm de Sergipe, vêm de Thainá Carvalho. Poeta e colagista, ela é também criadora da Revista Desvario. Sobre os poemas que seguem, os cinco primeiros foram publicados no seu primeiro livro As coisas andam meio desalmadas (Penalux, 2020). Quanto a outra metade, encontramos em seu trabalho mais recente O Amor em breve anatomia das horas (Penalux, 2021).

Revista O Navalhista
Desencontro 

Procuro
minhas ausências.
Não sei
se as deixei
no fundo da gaveta
ou se as larguei
sobre a mesa
da última vez.
Mas preciso
de uma ausência
agora.
De mim mesma
um blecaute
um desmaio na varanda
que me faça jardim
de verdes pássaros semeando
meu verde corpo flores.
Mas
não sei
mesmo
onde deixei
minhas ausências. 

Revista O Navalhista
Velhice

Fluviais
e efêmeros
nossos olhos
se molham
como chá quente
na varanda.

Revista O Navalhista
De mim, outra

Lembrança tenho
de outra
que não eu
mas se fez em mim.
Lembrança tenho
dos seus abrigos
dos seus abraços
e das suas asas
que não sei.
Lembrança tenho
dos seus amores
verdes e secos
desfolhados
em ventre
crescente.
Lembrança tenho
do embalo
da voz
que perguntava
(ou seria eu mesma):
o que a vida
não nos dá
em ciclos
invertidos?
Coisas
que não sei,
mas adivinho
essas lembranças
de outra
onde me fiz
vida.

Revista O Navalhista
Horizonte

Por um fio
no limiar do mar
não respirei
e foi como
se toda a baía
crescesse peito
a encher de ondas
a bater nas pedras
a transportar grãos
de areias distantes.
Não houve luz
de farol
que me encontrasse
no limiar
do som
do sol da manhã
que avermelha
o mar.

Revista O Navalhista
Imortalidade

Não sei
da morte
quando
me é mar
a vida
infinita
das ondas.

Revista O Navalhista
5 poemas de O Amor em breve
anatomia das horas
Revista O Navalhista


Repouso

Em brando fogo
a nitidez de um chá sem horas
de lembranças vazantes
— um momento de mim
sem divisões nem o traço dos dias
a me cortar em três, quatro
— um momento do bocejo mais autêntico
sem subterfúgios nem a linha do tempo
a me costurar em cinco, seis
sim, precisava de algo milimétrico
um cantar calmo dos cantos
onde me sentar afagada
sem que venham os chamados aleatórios
me colocar nos pontos específicos
e o que me faltava
era mesmo esse silêncio,
mansidão de palavras
cá entre mim e o minuto.

Revista O Navalhista
O acidente do órgão

A membrana fina dos dias
impede o ar
a passagem,
busco respiro
nas coisas mais imediatas
fugidias
pouco ou quase nada
e os pulmões inflam
até capotar
e girar girar
inspirar
o respiro indelével
do mundo bravio,
a ambição
em busca da vida mesma
do espelho ideal
inspirar
o respiro da vírgula
em busca da morte própria
da oração,
inspirar
o que a pequeneza
pequeníssima
não toca:
o tato específico
do amor,
a miragem turva
do raio solar.

Revista O Navalhista
Distância

Tenho que lhe contar
dos minutos lagarteando ao sol,
eram pequenos e breves
e verdes
com um brilho mágico
de amansar incertezas
na calma do ficar
só ficar
e perceber a expansão do mundo
no abraço de dois seres
no sorriso fruto escorrendo pela boca
para se plantar no chão, nas pedras
onde quedam os segundos
tomando luz.
Tenho que lhe contar
o que vejo, sendo tudo seus olhos
pois longe é muito longe sem você
e arremedo seu pensar e seu dizer:
— Esse tempo se iluminando assim
é coisa da sua cabeça
que adoro.
E você ri daí mesmo, eu sei
preenchendo a superfície que se estende entre nós,
seu colo quente tocando miudezas no meu cabelo
enquanto observamos o dia e o amor
em passagem anatômica das horas.

Revista O Navalhista
Ervas daninhas

Se você me diz
que a normalidade dos dias
avizinha seus sentidos
como veneno sob a terra,
te respondo
que sobreviveremos
arranhando a face do tempo
a superfície
dos pequenos lutos diários.
Te respondo
sermos o desamparo
que dá nó às coisas esquisitas
e por isso mesmo
desvanecentes e fecundas
sobre a mesa da sala,
te respondo
que pela manhã somos uns
e ao fim do dia somos outros
e no entre
a graça do afeto
a dança dos corpos em cor
sem som.
Te respondo
que a melancolia tem lá suas pequenezas
e o amor, algumas fortalezas,
ambos a nos defender de nós
que vamos sendo rudes
desdizendo promessas
abraçando menos
olhando menos nos olhos
e mais nos espelhos
catando pedacinhos
e rachaduras,
não para emendar:
para admitir
que no mergulho sonoro
de quartos e paredes
e medos,
sobreviveremos.

Revista O Navalhista

Pausa para explicar o amor

A raiz das pupilas
dilata-se
cresce pela terra
até não mais caber
e as pedras
tremem inexperientes:
— Mas como vem esse sentido
crescer e crescer e crescer
e tomar toda a vida
como se fosse natural?
Espalham-se as pupilas
no ventre fértil
do mundo
tornando sem paralelo
esse amor
esse amor aqui
dessas pessoas
e os outros
iguais, mas não os mesmos
e os outros
insanos, pois não compreendem
que o amor
não fica contido em vasos
pois cresce e cresce
e cresce
como se fosse loucura
não haver sido antes
uma flor.

 
*Publicado inicialmente em nosso site anterior, chamado Literatura & Outros Blues, no dia 05/09/2021
 
 
Sobre a autora:

Thainá Carvalho é uma escritora e colagista sergipana que atua em diversos projetos literários. É criadora da Revista Desvario, uma publicação digital sem fins lucrativos voltada à difusão da literatura contemporânea criada por mulheres. Em 2020, lançou o livro de poesias As coisas andam meio desalmadas (Penalux) e organizou, junto com Amanda Reis, a antologia de poetas sergipanas Passos da pedra ao mar. Já publicou em revistas e portais como toró editorial, Portal Não Me Kahlo, Ruído Manifesto e A Estranhamente. É colunista da Revista Cassandra e idealizadora do projeto Vai que cola, que une artes visuais e causa animal.

 

 


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