Mamãe sempre foi muito resistente.
Difícil adoecer.
Passou a vida se gabando que tinha estômago de urubu. Poderia comer tudo que quisesse que nada lhe faria mal.
Durante a infância, não me lembro de acompanhar mamãe a médicos.
Mas a velhice é implacável mesmo. A pressão alta chegou de mansinho e se instalou.
Começou a ter desmaios, perda momentânea de memória e depois de muita insistência concordou que marcássemos uma consulta médica para ela.
Foi a consulta, ainda a contragosto, e ao final o médico lhe receitou remédios.
Ela pegou a receita, passou os olhos rapidamente e guardou-a na bolsa, dizendo que agradecia a atenção do médico, mas que não era mulher de tomar remédios.
Então, o médico perguntou a ela o que fazia em seu consultório se não iria seguir suas recomendações.
Naturalmente, ela pôs a culpa nas filhas dizendo que nós nos preocupávamos desnecessariamente com ela e que ela gozava de perfeita saúde.
Ao deixar o consultório, ela ainda me disse ao pé do meu ouvido que estava “cagando e andando para médicos”.
Foi minha deixa…
Olhei para ela, já impaciente com tamanho desdém, e retruquei dizendo que realmente tudo estava bem enquanto cagávamos e andávamos, mas o problema surge quando a gente para de cagar e andar.
Perguntei quem iria cuidar dela se passasse a usar fraldas ou depender de uma cadeira de rodas. E se isso não seria o suficiente para ela tomar juízo e seguir à risca as orientações médicas.
Ela sorriu, diante de meus argumentos, mas não deu o braço a torcer. A receita médica ficou realmente esquecida no fundo de sua bolsa.
Até hoje é resistente a médicos e a medicamentos …
E a velhice realmente é implacável. Eu caminho para os meus 50 anos e sigo os mesmos passos dela.
Nem me pergunte a última vez que fui ao médico…
Sobre a autora:

Thais Castilho é servidora pública, casada e mãe de três filhos. Recentemente redescobriu o gosto pela escrita e se diverte escrevendo principalmente para revistas literárias.