Quando o barulho das tantas vozes se tornava insuportável e indigesto para seu humor contido, ele se levantava da poltrona na qual normalmente se sentava, solitário, nos banquetes animados que rolavam em sua casa noite adentro, observando do canto da sala as faces saciadas a se divertirem, ajeitava como podia a velha camisa social um pouco amassada e partia para o banheiro. Não desejava nada além do que entrar no banheiro e nele se trancar, colocando diante de si uma barreira física que o afastasse da multidão e o deixasse finalmente cara a cara com seu desejo. A sós. Sabia que ele o esperava lá dentro. Isso sempre acontecia no fim da noite, pouco antes do relógio alemão de cuco que a falecida avó havia lhe dado anos atrás anunciar o fim do dia e o começo dos horários de perdição, em que nada deveria ser rememorado.
O canto do pássaro artificial soou distante, abafado pela porta cerrada e perdido em meio a risadas e outras coisas mais que saíam das bocas estrangeiras no outro cômodo. Mas ele mal o ouviu. A sua atenção tinha um único dono. Ele estava lá, aguardando-o, como prometido pelas palavras de uma profecia que atravessava as eras, uma ligação há muito fincada no sangue que pulsava em ambas as mãos e os tornava cúmplices do ritual proibido prestes a acontecer, um crime que cometiam entre si, silenciosos como podiam, dentro do banheiro da sala de sua casa.
Ao encará-lo com os lábios mordidos, ele foi dominado por um desejo incompreensível de rasgar o outro ao meio com os dentes, o pau, as garras das mãos e dos pés, com tudo aquilo que pudesse fazê-lo sentir na pele o calor que brotava de seu corpo. O desejo escorria pela sua face e inundaria, se eles ficassem lá por horas a fio, cada canto daquele banheiro. Daquela casa. Da cidade toda. Seriam então náufragos de um oceano que os consumiria por completo, enchendo-os de sentido. Mas o tempo era curto, e quando os olhares já não conseguiam mais abarcar os impulsos da carne, ele, recostado na porta, o gosto pelo proibido manchando sua roupa de suor, tirou a calça num impulso frenético, sendo assim fielmente copiado, puxou a cueca box cor de vinho com força, quase rasgando-a ao meio, e apertou seu pau ereto com agressividade, a mão esquerda encostada na parede, os dedos da mão direita raspando as unhas na parte inferior da pica pulsante. Encarou o outro a encará-lo com a mão no pênis. Estremeceu, deixando escapar um suspiro inaudível. Cuspiu nas mãos, nas mesmas mãos que usou para levar pedaços de carne à boca horas atrás, preparando-as agora para um outro tipo de refeição – a da alma.
Ao mesmo tempo, eles começaram então a se acariciar, distantes, hipnotizados pela ânsia do arrebatamento. Primeiro, a masturbação começou devagar, e ele observava seu companheiro de exílio como se fosse o último homem da terra, seu e só seu, uma criação ordinária colocada diante de si pelas mãos de um Deus que há muito se ausentou. Deu um passo à frente, a perna esquerda já sustentada pela ponta do pé, e assim foi copiado. Mordeu ainda mais os lábios, sentindo dor e prazer. Depois de desenhado em sua mente o rascunho mais fiel que podia do corpo de seu homem, sua silhueta bruta e suas veias pulsantes, sua pele morena e seus pelos exuberantes, sua camisa semiaberta e sua calça arriada, os poucos cabelos grudados na testa molhada, só lhe restava perder-se nas pérolas negras que o encaravam sem receio, portais para um universo inevitavelmente estrangeiro.
Aumentou a velocidade da punheta, e assim foi acompanhado. Apenas ruídos indistintos e cada vez mais baixos vinham de fora. Enquanto se consumiam, o resto do mundo desaparecia como uma lembrança antiga e renegada. Seu pau começou a ficar completamente lubrificado pelo líquido que anunciava o desfecho iminente, a vida que morreria no instante de sua própria concepção, e pelo suor escaldante que caía de seu rosto. Estava febril de tesão. Desejava pular em direção ao outro, agarrá-lo pelo pescoço, beijar sua cara molhada e seu corpo todo, os dedos dos pés arqueados, as canelas contraídas, as coxas volumosas, o ventre que tremia de volúpia e perdição, mas ali não se perderia, não!, apesar da vontade incontrolável de colocar aquela pica enrijecida inteiriça na boca e engasgar seguidas vezes – foda-se os ouvidos alheios! – não, ele não faria isso, ele passaria sua língua encharcada pelo abdômen avantajado do homem que mais amou e amará em toda a sua vida e subiria para seu peitoral esculpido por Hefesto e depois para a sua boca e então o beijaria, puxando seus cabelos castanhos com o punho firme, o colocaria de costas, apoiado na pia de mármore branco do banheiro, e empurraria sua face para baixo e enfiaria seu pau naquele cu bem fundo, muito fundo, com toda a força que lhe restava. Tudo isso ele imaginou.
Quando voltou a si, já não havia mais tempo: estava prestes a jorrar no piso imundo em desalento. O único desfecho aceitável seria gozar no rosto de seu homem, em sua boca em seu nariz em seus olhos bem abertos, inundando-o com a vida que não mais existiria em si. Aproximou-se do outro, que fez o mesmo, e quando gozou acabou atingindo a altura da barriga.
Um pouco decepcionado, mas ainda assim aliviado, tremendo de cansaço e dos últimos resquícios do prazer lascivo, Narciso ficou alguns segundos observando a porra escorrer no espelho sujo. Limpou tudo, secou-se como pôde e vestiu-se sem pressa.
Quando saiu pela porta do banheiro, encarou o silêncio da sala vazia.

José Pedro Brombim Francisco nasceu em 1998 em Amparo/São Paulo. Largou o curso de Ciências Econômicas da UNESP para ingressar no curso de Letras da USP, onde se graduou em 2021. É autor de “Diálogos humanos” (ed. Folheando, 2024) e será publicado em duas novas coletâneas de contistas contemporâneos — “Coletânea de Contistas Contemporâneos 2024 vol. II”, da ed. Persona, e “Contos do Nosso Tempo”, da ed. Palavra Ferida (esta última uma coletânea bilíngue, português/espanhol). Um curta-metragem adaptado do conto “Nuvens não têm forma” está sendo elaborado e deverá estrear nas plataformas digitais em 2025