A poesia de Carlos Galdino é como um fluxo contínuo que nos transporta, conectando espaços e experiências com naturalidade e precisão. Ela não apenas comunica com facilidade, mas também pulsa, caminha, quase como se tivesse vida própria. Seus versos carregam a simplicidade dos “haicais”, pequenos fragmentos que condensam significados amplos e universais. Ao lê-la, somos conduzidos de uma estação a outra, de um metrô a outro, de uma subestação a outra, aos espaços urbanos e mentais que capturam a essência das suas observações sobre a cidade apesar dos seus limites e barreiras físicas — trajetos físicos que simbolizam também percursos internos, emocionais e reflexivos. É a poesia que traduz movimento, que nos impulsiona a observar e viver o cotidiano com um olhar renovado, captando a beleza que muitas vezes nos escapa na pressa dos dias.
Carlos Galdino cria uma poética urbana, acessível, mas profundamente tocante, ideal para leitores que buscam versos que sejam, ao mesmo tempo, companheiros de viagem, guias contanto histórias ora trágicas ora bem-humoradas. Certamente, uma grande cidade pode ser o cenário mais profundo da solidão. É nela que a multidão caminha numa coreografia descompassada, com pessoas imersas em seu próprio universo, em seus próprios destinos; muitas vezes esvaziadas de sentidos, reduzidos à mecânica da rotina. O vazio pulsa em prédios altos, em avenidas largas e nos vagões cheios de silêncios compartilhados.
E quanto às palavras? Elas, que deveriam ser pontes, encontram barreiras: limites de caracteres, caixas de recados, notificações ignoradas. Quantas são necessárias para traduzir o peso de uma angústia, a urgência de uma espera, ou a vastidão de uma saudade que não cabe no espaço digital e, com um clique, pode ser apagada? Nesse ambiente virtual, o texto parece gritar no nada.
Mas há a feira. A feira é a avenida dos encontros, dos olhares que cruzam, das mãos que trocam gestos e histórias. É o lugar onde a espera e a memória se expõem e perseveram, enfrentando os dias e o tempo de aço. É o espaço dos afetos e muito mais significativamente, um contraponto: estação dos sonhos onde o peito resiste, as histórias se cruzam, a saudade se encontra, para ser vivida e compartilhada, com os desejos genuínos. E nesse ínterim a saudade é o fio que nos atravessa e, entre vozes, cheiros e sabores (de pastel e caldo de cana?) ela faz morada, persistente. É o desembarque da certeza que o mundo é maior que o cansaço. Penso o quanto, assim como Adélia Prado, os poemas exaltam a sensibilidade sobre a racionalidade fazendo o arremate essencial da vida humana. A saudade na poesia de Galdino é a catraca que gira a rotina cotidiana, as oportunidades perdidas, o potencial irrealizado, as desconexões humanas e os momentos extra (ordinários) que se tornam comuns e sem impacto. É uma metáfora da vida e das escolhas que, por vezes, deixamos de fazer. Porque no fim só a saudade não passa — ela molda, endurece, mas também lembra que ainda estamos vivos. A poesia de Carlos Galdino é esse fluxo contínuo que nos transporta, conectando espaços e experiências com naturalidade e precisão.
Dessa forma os poemas nos fazem embarcar na busca de propósito e sentido em meio à abundância de caminhos e meios de transporte que temos disponíveis. Me fazem lembrar de Nicolas Behr e de sua cidade natal, Brasília, a cidade sem esquinas e campo minado de saudade. A todo momento o poeta questiona a utilidade de tantas infraestruturas e formas de locomoção se no final, a falta do bilhete para o destino ou objetivo submerso, simbolizado pela frase “se nem tenho o seu endereço” (da humanidade ou da amada?). Calos Galdino, portanto, nos alerta sobre sensação de vazio diante da modernidade, onde, apesar de tantas opções e avanços, o que realmente importa é a conexão humana e emocional que pode estar ausente. É uma crítica delicada e bem humorada à superficialidade da vida movimentada, mas desprovida de direção pessoal. Porém seu caminho poder ser cheio de poesia.

CARLOS GALDINO nasceu em São Paulo, em 1978. É poeta, radialista e bacharel em Direito. Publicou os livros Achados e perdidos (2015) e Poemas quase sinceros e outras mentirinhas (2017), além de poemas em diversas obras coletivas. Participa há muitos anos de saraus e da cena cultural de São Paulo. Usa a palavra poética para registrar o cotidiano emocional e histórico que o rodeia.

MAYK OLIVEIRA – Nascido em Delmiro Gouveia nas Alagoas o poeta e escritor Mayk Oliveira é membro do movimento artístico Arborosa situado alto sertão, músico e professor de História e Letras com especialidade em ambas as ciências. Escreveu três livros de poemas: “Livro dos Delírios” (Parresia,2020), “Pétrino Astéri” (Parresia, 2021) e “Alcatrão Com Grilos” (2022), um romance (a publicar) e um livro de contos “Molhados Enxutos” (2021), mas a produção escrita vem desde 2000. Ambientalista de espírito cultiva sua roça orgânica, plantas e flores nativas enquanto salva as pessoas dos riscos sanitários do mundo moderno.
Muito bom. Gostei da resenha. O resenhista descreveu o poeta Carlos Galdino ao mesmo tempo que maravilhou seus poemas. Parabéns.