ARTHUR LEDINE – 6 poemas
ARTHUR LEDINE – 6 poemas

ARTHUR LEDINE – 6 poemas

O navalhista do dia é Arthur Ledine. Do poeta seguem 6 poemas do livro pontinha, esgoto e ribeirão abaixo (Opera, 2024), que por sinal será lançado hoje mesmo.

Revista O Navalhista

coisas de amor chamei tantas

que em ti nenhuma etiqueta

pretendo aplicar

antes no teu ângulo meus dentes

dentes teus no meu ombro

quaisquer outras combinações

entre nossas anatomias

ideia da lírica de tua apneia

colapso traqueal gotejado de mel

murucututu em serenata

além outras divisas não experienciaste

a segurança das molas arrebentadas

de um leito beira-córrego

cascadura me perdoe

samba de lado na afirmação

feliz eu te fiz no esgoto

Revista O Navalhista


palácios choram pelas fontes no jardim

gritos de pânico ecoam no ipiranga

sujam as unhas carentes de corte

revolvendo os canteiros pelos ossos da sanidade

palácios choram viajando ao sacomã

discreto sob o olhar sanguinário do motorista

memórias afetivas desembarcam justo

a tempo de procurar minhocas no terminal

palácios choram assentados no vagão

buscando lógica no levantar-se e baldear

quando o perfume do rapaz ao lado

embala confortavelmente a condução

palácios choram entre plataformas nas esteiras

loquazes que são projetando à multidão em meio

continuar o conto aos argentinos da história do

prata que não sabem e não a veem

palácios choram tateando a rua do arouche

a fim de chegar o máximo temprano em casa

com a calçada impedida pela companhia de gás

quanto custa lograr calmaria em são paulo

palácios choram dentro do ascensor

distribuindo boas-tardes aos idosos

como a maceração dactilar arrombasse a porta

sem esquecer-se do querer de fôlego felino

palácios choram no que lhes cabe de apartamentos

as mantas arrumando e então o aspirador

bater fotos de livros pra que tudo semble bem

o telefone toca

Revista O Navalhista


j’ai fait des ronds en centre-ville

des ronds des ronds des ronds

j’ai fait des ronds à batataes

des ronds des ronds des ronds

j’ai fait des ronds à saint-simon

j’ai fait des ronds à araraquara

des ronds des ronds des ronds

            j’ai fait des lectures à saint-simon

j’ai fait des ronds à matão

des ronds des ronds des ronds

j’ai fait des ronds à saint-bernard

des ronds des ronds des ronds

j’ai fait des ronds à taguatinga

 des ronds des ronds des ronds

ils viennent de faire bois rond de moi à brasília

pas de ronds sur la généralité

un seul garçon m’a visité

lui l’un de la rive des trapiches

des rondes des rondes des rondes

ils veulent m’assassiner

plusieures rondes dans une tasse de café

des rondes des rondes des rondes

faites le dos rond à la généralité

ils veulent m’assassiner

des rondes des rondes des rondes

pas de rondes à la capitale

parce qu’ils veulent m’assassiner

j’ai fait des rondes dans le faubourg

j’ai fait des rondes dans le banlieue

des rondes des rondes des rondes

j’ai fait des rondes à l’université

des rondes des rondes des rondes

rond comme une boule carrée

parce qu’ils ne veulent plus m’assassiner

des rondes des ronds des rondes

des ronds des rondes des ronds

des rondes des ronds des rondes

des ronds des rondes des ronds

des rondes des ronds des rondes

des ronds des rondes des ronds

des rondes des ronds des rondes

des ronds des rondes des ronds

des rondes des ronds des rondes

Revista O Navalhista

eles gostam de versos simples curtos sucintos

poesia que caiba num quadrado social e

se declame facilmente acompanhada de um violão roto

rodinhas acadêmicas falam baixo para combinar o after-party

você não foi parido de um instituto não seja bem-vindo

vamos divagar sobre estilo

vamos divagar sobre conceito

vamos divagar sobre performance

saia daqui com sua consistência

nosso sarau é um chucrute com melado

comido no pão murcho de uma padaria

perdida em santa cecília pelo próprio nome

temos nosso próprio bloco de carnaval

temos nosso próprio bloco para além do carnaval

não jogue as bitucas do seu cigarro no mesmo lugar que as nossas

limpe o barro dos seus pés

limpe o barro da sua calça

limpe o barro da sua língua

limpe o barro

quer que façamos uma vaquinha para você voltar

Revista O Navalhista


quer dizer que ainda vives

maltratada ainda resiliente

teu clichê coração

paradis flâneur et bohémien

dá sinais de força

cheiro de lixo realça o sabor

das caipirinhas e contrafilés

giroflexes deixam mais bonita

a retidão dos vasos secundários

percorridos pelos coletivos arfantes

entediados do itinerário provinciano

subúrbio ao centro

centro ao subúrbio

o carro que sobe na vida vira circular

o carro que não virou nada

eu chamo pelo espelho-mágico

carro carro de aluguel

me leve a qualquer paragem

ladeada por um bordel

Revista O Navalhista


se essa rua se essa rua fosse minha

eu mandava eu mandava patrulhar

com revólveres fuzis e traficantes

só pro meu só pro meu temor passar

nessa rua nessa rua tem um bosque

que se chama que se chama podridão

dentro dele moram sonhos e anseios

não só meus mas dessa população

se eu lutei se eu lutei para estar vivo

não por minhas não por minhas mãos ardis

foram olhos vigilantes das esquinas

fiadores da justiça que eu quis


Arthur Ledine

Arthur Ledine nasceu em Ribeirão Preto (SP), e se esforça para não morrer no mesmo lugar. Versa principalmente sobre si mesmo e suas vivências, reais ou não. Publicou O livro de Parlós Videira Malta (2022) e O barro onde o jabuti se deita (2023), ambos pela ed. Libertinagem, e pontinha, esgoto & ribeirão abaixo (2024) pela Opera Editorial.

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