BÁRBARA MANÇANARES – 4 poemas
BÁRBARA MANÇANARES – 4 poemas

BÁRBARA MANÇANARES – 4 poemas

A navalhista do dia é Bárbara Mançanares. Da poeta e bordadeira trazemos por uma mostra 4 poemas, do seu livro mais recente A voz incauta das feras, que saiu neste ano pela Editora Patuá.

Revista O Navalhista

sobre os mortos todas as palavras

sobre os mortos as fontes e os círios

e ainda os muros em devoção à noite

a face laminada de uma ave fronteiriça

e as flores os pés silenciosos sobre ruas sem nome

sobre mármores e escorpiões

os pés silenciosos sobre a terra lacerada de vento e história

como são as crianças os livros as mãos vazias de certezas

e as bocas aninhadas em medo tempo e ausência

mas também na grafia de um novo idioma

um idioma que precede a topografia de um país

Revista O Navalhista

não fosse a espessura da pergunta

calcária

(como as conchas que não guardamos)

não fosse a voz

marítima

(como um nome em uma canoa)

por certo haveríamos de amar o chão

seu cansaço enfurecido

como fazem os raios e os presságios

a caligrafia das serpentes

Revista O Navalhista

costuramos a fúria ao acaso

e chamamos isso

equivocadamente

amor

nossos olhos de marfim

                                       brancos e opacos

diante da noite incansável

nossos corpos de marfim

                                        brancos e opacos

diante do silêncio do fogo

nossos dentes de marfim

                                        brancos e opacos

diante do nome impronunciável de deus

Revista O Navalhista

guardo no poema as raízes

a fundura do copo

a forma como você lê a sorte em uma xícara

e passa o café quando tudo ainda dorme

guardo as mãos em conchas

a temperatura das águas

os pés ressequidos de infância e barro

guardo ainda a textura imaginada das nuvens

um bilhete esquecido na agenda

as moedas nos vãos dos paralelepípedos

os animais feitos de luz e sombra na opacidade das paredes

guardo o meu nome e o seu como fundamento

de uma linguagem

um poema dentro de um poema


Bárbara Mançanares

Bárbara Mançanares é poeta e bordadeira. Nasceu no sul de Minas Gerais e vive, atualmente, no sul da Bahia. Possui graduação em História (UFOP) e mestrado em Museologia e Patrimônio (UNIRIO). É autora do livro Maio (Quintal Edições, 2018), Cartografias do corpo que canta (Editora Patuá, 2021) e A voz incauta das feras (Editora Patuá, 2024). Seu segundo livro foi vencedor do Prêmio Nacional Mozart Pereira Soares de Literatura na categoria Poesia em 2023. Atualmente escreve seu primeiro romance com o apoio do Itaú Cultural (Edital Público Rumos 2023-2024).

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