Com a navalha: Angelo Lemos. Vamos de 4 poems.

espetáculo
na calçada dos meus olhos
você passa
um palavrão alto
sai
na boca do beco
da minha mente
a ponta-metal do teu salto
arrebenta
o meu tímpano-peito
num som estridente
e no meio do palco
perco todo o sentido
feito fã cego idolatrando artista
em seu show ao vivo

tatuagem indígena
após tirar toda a tua roupa
nós
nus
feito dois selvagens
sob o sol da noite
e termos descoberto toda a geografia
do mapa
dos nossos corpos
– sem colonizar ninguém –
teus seios
tuas nádegas
tuas coxas
teus pés & mãos
e teu rosto com aquele cabelo bagunçado
como quem saiu de um furacão
se fez tatuagem indígena
na íris
da retina
de minhas melhores lembranças

as maçãs do teu rosto
as maçãs do teu rosto
são um convite
à minha retina
para os prazeres da vida
carne proibida
fruta doce
por Adão e Eva
mordida
faz de mim
nudez divina
serpente lúcida
em busca do desvario
somos nós
uma tela renascentista
pintada por Michelangelo
à meia-noite
na parede do quarto
do meu desejo

te toco
por baixo
como quem toca solos de guitarra
teus agudos
vibram
os móveis
no espremido
espaço
da sala
te canto uma canção
em segunda voz
ao pé do ouvido
você diz que
sim
que gosta
e que o tímpano do peito
não aguenta
e goza
agora
você pega o microfone
por entre minhas virilhas
(o falo pra’suas cantorias)
e faz o maior espetáculo
que só uma boca com esses lábios
faz
e
sabe
muito
bem
como
faz
meus aplausos

Rock’n’roll, mpb, cinema, literatura, suor de verões, folhas amarelecidas valsando com o vento aos domingos, e o hálito dos lábios do útero da lua, são ótimos aperitivos para o poeta Angelo Lemos, nascido na estação mais quente do ano, na fria São Paulo de 1991. Publicou seu primeiro livro de poesia em 2018, chamado Lembranças guardadas numa bagagem. Atualmente é estudante de jornalismo.
Instagram: a.lemos91