A primeira vez que li o “Calígula” de Albert Camus foi em 2018, numa tradução para o espanhol. Lembro-me das motivações: com Deleuze, refletia sobre a questão “O que pode um corpo?”. Através de Gilles Deleuze tomei conhecimento acerca de Antonin Artaud (spoiler: esse nome tende a aparecer muito por aqui logo mais). Estava encantado e tentava entender o conceito de Crueldade em Artaud. E aqui entra a leitura do Calígula. Na época, não achei em nosso idioma. Só esses dias é que fiquei sabendo que a Civilização Brasileira o editou em 1963, mas há dificuldade até para encontra-lo até na Estante Virtual. Enfim, me arrisquei ler no original, dessa vez. E novamente por causa de Artaud.
Terceiro imperador romano, Caio Júlio Cesar Augusto Germânico exerceu em Roma (37d.C – 41d.C) um governo marcado pela libertinagem, violência e loucura. Sexo, sangue e risos. Chocar a nobreza e o povo romano era sua arte. Muitos episódios assim o atestam. Lembremos de quando resolveu afrontar e ridicularizar o Senado romano no momento em que decidiu nomear cônsul seu cavalo Incitatus (Impetuoso). Muitos dirão que sua relação sabidamente incestuosa com sua irmã Drusilla nem esteja entre as mais chocantes. Torna-la deusa romana após sua morte talvez nos forneça um pouco mais da dimensão de seu desvairado governo.
Camus pega esse personagem histórico para nos falar de seu homem absurdo. O Calígula de sua peça teatral não deixa de ser o cruel imperador romano. Sua tirania, lascívia e loucura estão ali. Mas não só isso. Ali também nos deparamos com sua fragilidade enquanto homem atormentado pelas implicações do personagem que faz de si. Um Calígula reflexivo. Sublinhamos passagens como “vivre, c’est le contraire d’aimer” (“viver é o contrário de amar”). Ou ainda: “Je veux mêler le ciel à la mer, confondre laideur e beauté, faire jaillir le rire de la souffrance” (Eu quero misturar o céu com o mar, confundir feiura com beleza, fazer jorrar o riso da dor). Pra não me alongar, não é apenas sobre a loucura de um homem. É sobre a loucura de um homem diante de si. Absurdo homem. Necessária leitura.
Sobre Albert Camus:

Pertencente a uma família operária, Albert Camus (1913-1960) cresceu na Argélia, onde estudou filosofia. Filho de um francês e de uma descendente de espanhóis, o escritor perdeu o pai na Batalha do Marne, em 1914, durante a Primeira Guerra Mundial. Marcado pela guerra, pela fome e pela miséria, filiou-se na França ao Partido Comunista (1934-1935) e em 1940 aderiu ao movimento da Resistência contra a ocupação alemã. Ao lado de Jean-Paul Sartre foi um dos principais representantes do existencialismo francês, influenciando de modo decisivo a visão de mundo da geração de intelectuais rebeldes da época do pós-guerra. Suas obras de destaque são O estrangeiro , O mito de Sísifo , A queda , A peste , O homem revoltado , A morte feliz . Em 1957, Camus foi agraciado com o Prêmio Nobel da Literatura.