Menina de cabelo cor-de-fogo. Igual a ponta embrasada do seu cigarro. Pé balançando no ritmo do seu coração. Pa-tum-tá-pa-tum-tá. All star branco imaculado. Traga voraz a maria-fumaça de veneno. Cinzas esvoaçantes. All star branco acinzentado.
Menino de cavanhaque curto. Igual a lateral raspada do seu cabelo. Mãos tamborilantes sobre a mochila nos ombros. Tec-tec-tec-tec-tec-tec. Olhos negros miúdos provocam um sorriso na jovem. As mãos hesitantes juntam-se aos dedos de unhas pintadas portadores da chama nicotínica. Rouba o cigarro para si. Traga fundo demais, escancarando uma risada dela e liberando uma tosse seca.
Fumaça, fumaça, fumaça. “Que foi?” Bate o excesso de cinzas fora.
“Você” a menina reclama o cigarro por entre os dedos. Merda. O desajeitado havia conseguido apagar a chama. “Não leva o menor jeito pra isso.”
Isqueiro. Tchic. Reacende a chama contra o vento. Traga leve, lábios projetados entreabertos, solta a fumaça confiante sobre o rosto do rapaz. “Tá vendo? É assim que se faz.”
Ele estica as mãos novamente para puxar o cigarro dela. “Nem vem!” um tapa, uma tragada. “Faz mal, sabia? Não vale a pena “, ele suspira.
“Ah, você quer me dizer o que me faz mal?” A risada infantil dela lhe dava calafrios. Lembrava-o de quando a ouviu pela primeira vez. Então, aprisionados na sala de aula, sussurrou no ouvido da garota: você acha que a professora tem namorado? Idiota.
Mas não questiona, ela sempre soube como controlar seu fogo sozinha. Apoia os braços na grade torta enquanto admira o deleite dela ao se matar. Cabelo, unhas, boca, alma em chamas. Olhos de cinzas entediados e sobrancelhas enegrecidas suspensas. “Para de me encarar, você sabe que eu não gosto.” Apaga o cigarro na grade. Joga no chão. Pisa. All star branco cada vez mais cinza.
“Desculpa, meu bem” Os olhos cinzas reviram-se embrasados. Percorrem o rosto do rapaz, mas logo focam na distância. Faz sinal para um ônibus desgovernado como um pneu em chamas. “Tô indo.”
Desmobilizado do transe pela urgência da jovem, sela um beijo sobre seus lábios envenenados. Menta amarga. A menina vira o rosto, finge um sorriso e sai correndo.
“Te vejo no samba!” grita ao vento enquanto a jovem pendura-se no ônibus em movimento, a bolsa marrom pendendo a tiracolo.
O rapaz resta sozinho, rodeado por jovens casais apaixonadamente desocupados e bitucas de cigarros pisoteadas. Suspira, fecha os olhos. Tudo o que desejava e sempre lhe era negado.
Sobre a autora:

Beatriz Arantes é graduanda em Neurociências pela PUC-Rio, fazendo parte da primeira turma do pioneiro curso no Brasil. Atualmente, faz iniciação científica no MograbiLab, estudando autoconsciência e seus processos relacionados no contexto de transtornos mentais. Nascida e criada no Rio de Janeiro, desde muito cedo considera-se artista, exercendo sua prática através de múltiplos métodos e técnicas, como desenho, pintura, artes têxteis e fotografia digital e analógica. Entretanto, foi somente em 2024 que descobriu sua afeição pela escrita, através de poesias e contos sobre o cotidiano jovem na contemporaneidade.