VITÓRIA GABRIELA – 3 poemas
VITÓRIA GABRIELA – 3 poemas

VITÓRIA GABRIELA – 3 poemas

As navalhadas do dia ficam por conta da autora de Por osmose (Ed.fomento literário, 2022). Segue 3 poemas de Vitória Gabriela.

Revista O Navalhista

Não um tempo, um lugar.

“É como se a infância não fosse um tempo

mas um lugar

com seus cumes seus esconderijos

suas pequenas clareiras (…)” – Ana Martins M.

Há alguns anos

em algum lugar de brasília

ou minas

crianças brincavam de cabaninha

eu, dentro de um ônibus

mentalmente fotografando cada esquina

(as sonharia)

elas, dentro de um portão

e a necessidade de um mundo particular

como cola

entre nossos pés inconscientes

sobre o quê viria.

A bahia como destino

o terrível solo do meu berço

como partida

guardando todas as meninas

que amariam saber dessas

outras plebeias

também viciadas em

possuírem

mais que isso

construírem

um reino próprio.

Foi quando deixamos de colher pedras

abandonamos as muralhas

que permitimos a entrada

do devastador fato que já aguardávamos:

cresceríamos,

crescemos.

Foi natural todo o saqueamento

confusão

sangue lavando o chão

não deixou de ser, no entanto,

menos doloroso.

Porém eu sempre soube

que para com meninas como eu

tudo que o mundo faria

seria transformá-las em adultas

o mais rápido possível

e essas adultas

já nasceriam fadadas à procura incansável

da criança desaparecida.

“uma menina morreu em mim

por onde vou carrego

seu cadáver

e a forma exata do seu corpo

repousa no meu corpo

como num vestido

largo demais.” – Ana Martins M.

Revista O Navalhista

Praesentia

  1. minha mãe não me deixava

ter sombras

então eu passava gloss

nas pálpebras

e era assim que eu voltava

da pré-escola

com areia até nos olhos

fazendo jus à hipérbole

e selando uma quase profecia

de como as coisas teceriam a si mesmas

em selvageria feminina.

  1. ainda sei os números da cultura

centiealgumacoisa no rádio

2 na tv

eu costumava também saber

quando cantariam

e em qual desenho

minha mãe chegaria

porém

só no final de dois mil e vinte dois

ao compartilhar, duas vezes na mesma semana, a plateia de peças com um dos artistas de um dos programas

que eu entendi: o caminho sempre foi esse

 aqui.

  1. desde que conheci as letras

para todas as trintas anuais

horas de estrada

carimbadas de forma majoritária

pela natureza

bastava uma agenda.

ainda assim

num fim de semana

quando sozinha, frustrada

digna de uma parental pena

foi uma caixa de lápis de cor

que eu pedi.

Revista O Navalhista

Segundas.

existe uma certa ordem em
assistir ao dissipar das coisas
sumir da própria vista
de novo
numa horizontal neblina
perder a bússola
vê-la trêmula partir
como se também
pulsasse dependente
do seu mesmo coração
que se fez perdido, espaçado
mais uma vez
saber que a pele já chorou
assim antes
que os calcanhares já travaram
dessa mesma forma
reconhecer o sal dessa areia
grudada na língua
ter consciência de que o deserto
será atravessado
como antes já foi
independente do quão
improvável pareça
para os rins que pontuam
o nascer da sequidão
existe uma certa ordem
em entender o que lázaro
sentiu
em sua segunda morte.


Sobre a autora:

Vitória Gabriela

Vitória Gabriela (2002) é autora de Por osmose (Ed.fomento literário, 2022), cronista colunista na Escritor brasileiro, possui material disponibilizado on-line independentemente e também em diversas revistas e cias. Facilmente encontrada ‘escrevendo em traços @vivoserispidos (Instagram) de pintura’.

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