Uma viagem insólita no antropoceno com Luis Felipe Mayorga
Uma viagem insólita no antropoceno com Luis Felipe Mayorga

Uma viagem insólita no antropoceno com Luis Felipe Mayorga

por Soraya Viana,

professora, tradutora e navalhista assistente

(perfil completo).

Até começar a leitura de Psicotrópicos de Capricórnio na Ilha da Trindade, o único lugar com nome parecido que eu conhecia era a vila no município de Paraty. 

O romance de Luis Felipe Mayorga, no entanto, se passa a 2.400 km do Rio de Janeiro. Lá, localiza-se o POIT (Posto Oceânico da Ilha da Trindade), comandado pela marinha e responsável pela proteção de linhas de comunicação marítima e por ações de preservação ambiental

No primeiro capítulo, Heitor é enviado à ilha para escrever uma matéria. Aos 30 e tantos anos, ele acaba de se divorciar e enfrenta dificuldades profissionais, por abusar de álcool e outras substâncias. Aos poucos, o que parecia uma chance de espairecer por dez dias acaba se tornando uma viagem — em mais de um sentido da palavra —  de consequências inesperadas.

O início nos apresenta os companheiros de jornada do repórter — uma equipe militar e um casal de pesquisadores universitários. Assim, temos um vislumbre dos valores cultivados pela marinha e da rotina dos cientistas na conservação da Amazônia Azul

Psicotropicos-de-capricornio-na-ilha-de-trindade

Também veterinário e ambientalista, Mayorga capricha nas descrições. Em trilhas, carebadas e expedições de pesca submarina, sua narrativa nos faz sentir parte do grupo de personagens. Com eles, exploramos a geografia da Ilha da Trindade e de sua vizinha, Martim Vaz, e observamos a fauna abrigada no entorno. 

Na segunda metade da história, os embates entre as ideias progressistas de Heitor e o conservadorismo militar suscitam questionamentos pertinentes no momento político atual.

A trama segue com descobertas pessoais do protagonista — incluindo um objeto que pertenceu a um ente querido — e com a tensão nas relações. A partir daí, o enredo adentra caminhos surreais que nos fazem questionar a dosagem dos fatos e da psicodelia dos eventos.

A visão de que cada indivíduo deixa um legado neste mundo é trabalhada ao longo da história por meio da metáfora da parentalidade. O vínculo humano com a natureza e a aceitação da responsabilidade por nossas ações nas esferas pessoal e coletiva são os principais temas do livro. O ângulo inusitado de um narrador adicto é um trunfo aqui, pois torna agradável e não-panfletária a abordagem dos assuntos tratados.

Recomendo a leitura para interessados em ecologia e fãs de narrativas insólitas (O romance, inclusive, me lembrou a novela A telepatia são os outros, de Ana Rüsche, e o filme Bacurau, de Juliano Dornelles e Kléber Mendonça Filho). 

Belas ilustrações de M. Faber enfeitam os capítulos de Psicotrópicos de Capricórnio na Ilha da Trindade. Caso queira se aclimatar antes da aventura, o perfil de Luis Felipe Mayorga, @escritormayorga, tem fotos do local.

O autor publicou outros títulos de ficção, entre eles O idiota do meu coach e o infantojuvenil A viagem do pinguim.


Luis Felipe Mayorga

Luis é doido. Doido pelo mar frio, peixes e corais; pelo mergulho em apneia, pelos embarques em baiteras de madeira até as ilhas costeiras, pela vida que fervilha nesse caldeirão biológico que resfria e oxigena nosso planeta. Luis embarca para estagiar em ilhas oceânicas, para turismo ou para soltar pinguim e tartaruga. Luis leva esposa, filhos, lanche, vomita, mergulha, tira foto e escreve. Se acha escritor. Desde o ensino médio, navegando sem rumo em pensamentos distantes no plano das ideias durante as aulas, roubando as que achava interessantes. Luis formou em veterinária e continua escrevendo. Luis é doido.

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