LU RODRIGUES – Mariposas não voam longe [trechos]

Com a navalha: Lu Rodrigues. Ficaremos com trechos de alguns contos de seu mais recente livro Mariposas não voam longe (Litteralux, 2025).

Trecho do conto “De volta pra casa”,  pág. 11

“No trajeto naquela terça fria de julho, Ana fez asfcontas de cabeça e percebeu que foram dez anos distante da casa onde tinha crescido. Lembrou-se que da última vez em que estivera lá tinha sido para deixar algumas caixas de livros e objetos da mudança para Portugal. O lugar ficava na Vila Formosa, subúrbio de uma São Paulo esquecida pelos corretores de imóveis. Um bairro repleto de residências idosas e caducas postas à venda sem êxito. A casa da rua Argonautas era a mais abandonada delas, uma fortaleza de concreto em decadência, com grades moídas pela ferrugem. Mas não era o pó acumulado pelo tempo ou as memórias amargas dos antigos donos que afugentavam possíveis compradores. Os vizinhos diziam que a casa era mal-assombrada e o boato se espalhou.”

Trecho do conto “Fazenda Nuno Gonçalves”, pág. 35

“Maria Filipa acordou e foi se examinar no espelho. O olho esquerdo estava com uma grande mancha azulada. O pescoço tinha as marcas dos dedos de Francisco. O corpo guardava os vestígios dos chutes e pontapés. Não conseguiu controlar o urro que soltou quando levantou as anáguas e viu a carne das ancas queimada pelo mesmo fogo que marcavam os bois. O marido deixou ali suas iniciais: F.G. O corpo de Maria Filipa era dele. Como todos os bois, escravos e terras daquele lugar: Fazenda Nuno Gonçalves.”

Trecho do conto “A mariposa”, pág. 43

“Entrou no quarto do filho e ela estava lá. Sobre a cama, como uma almofada largada na cabeceira: a mariposa marrom, gigante, com as asas abertas. Era a mesma que tinha aparecido na casa dias antes, quando veio a notícia da morte da irmã. O que ela queria agora? Um arrepio ruim tomou o corpo de Lídia. Não adiantava corrigir o ângulo e buscar a luz para escapar. Agora ela seria como uma mariposa presa a um voo em espiral numa lâmpada. De volta ao ponto de partida, ao passado. Lúcia tinha ido embora para sempre.”

Lu Rodrigues nasceu em São Paulo e hoje mora em Lisboa. É escritora, jornalista e mãe do Rafael e da Clara. Trabalhou por duas décadas em emissoras de TV brasileiras, como Rede TV!, Band e Record TV. Em 2017, decidiu dar uma pausa no jornalismo para aprender a ser mãe e se reencontrar na escrita. Escreve sobre maternidade, feminismo e autocuidado nas redes sociais – e fora delas também. Em 2023, lançou seu primeiro livro, “Maternidade com autoamor” (ed. Labrador) e, agora em 2025, lançou “Mariposas não voam longe”.