Na manhã de inverno em Sendai no Japão crianças e adolescentes brincavam no recreio da escola Gakoo, quando de repente Ryo (良)[1] se viu no céu, estava andando de nuvem em nuvem, no mesmo instante voltou para a terra e retornou para a escola, parecia um pensamento, mas ficou intrigado com o que acabara de sentir, o sino tocou e a aula recomeçou. Aquela foi a primeira vez que Ryo sentiu-se andando nas nuvens; em casa não falou nada, porém sua irmã percebeu algo estranho e perguntou:
— “kyodai, irmão, como foi a escola hoje, achei seu semblante preocupado.”
Ryo rapidamente respondeu:
— “Miyuki[2], estou com muitas provas e tive algumas visões estranhas, mas está tudo bem.”
A irmã mais nova de Ryo, fazia escola de artes na cidade e desenhava principalmente personagens infantis e heróis, algumas vezes Ryo se interessava e criava um quadrinho, alguns mangás, no entanto sua irmã não sabia.
Na outro dia a neve continuava a cair e a floresta congelada era a atração da cidade, Ryo convidou seus amigos e a tarde fizeram o passeio, facilmente acessível da estação Sendai. As árvores cobertas de neve congelada e a parada no café da estação movimentaram a tarde sem que Ryo se sentisse andando nas nuvens outra vez.
O jovem adorava tokusatsu, os filmes e séries de efeitos especiais japoneses, e por vezes pensava se aquele dia que esteve no céu não seria apenas o efeito do tokusatsu, ou ainda da adolescência que deixava sua cabeça nas nuvens.
Agora que Ryo ia fazer dezoito anos, seus sonhos sobre o futuro já estavam mais claros, embora as dúvidas voltassem a colocar novas opções em suas escolhas. Muito preocupado com o trabalho que exerceria no futuro se via obrigado a escolher com sabedoria sua formação. Este era último ano na escola secundária, Koko, nas escolas japonesas a série depende da idade e logo Ryo iria para universidade.
Seus pais tinham um cuidado meticuloso com o jardim e o paisagismo de sua casa, para eles a harmonia significava evitar confrontos diretos na vida diária e manter as belas flores, e assim Ryo moldou seu caráter, respeitando os valores japoneses que envolviam a vida social e as tradições. Ele se preocupava com a honra, o orgulho pessoal e a moral e suas atitudes sempre caminhavam nesta direção, queria ser um homem correto.
Quando conheceu Sora, uma menina inteligente e bonita que entrou na escola no último semestre, um fio vermelho invisível que une as pessoas que estão predestinadas a ficar juntas foi visto por Ryo quando a cumprimentou e naquele momento se apaixonou.
Durante a noite Ryo teve um sonho intrigante, e pela manhã comentou com sua irmã:
— Miyuki, hoje sonhei com um ser sábio, que mudava de forma, assumindo um corpo humano feminino, parecia muito fiel, leal em seu olhar, sua aura era dourada, ora parecia uma raposa, ora tornava-se Sora.
Miyuki, sem saber de nada, indagou:
— quem é Sora?
— é uma amiga que conheci ontem.
Na escola os dois se falavam pouco e acreditavam que a linguagem indireta já significava uma garantia da harmonia entre eles. Quando encontrou Sora no corredor, disse oi e passou, mas o olhar continuou seguindo a moça.
Com o ano da escola acabando, Ryo queria uma oportunidade para conhecer melhor Sora, e seu desejo se realizou, as turmas se juntaram no teatro e Sora sentou-se ao lado. Trocaram olhares e conversaram muito, o sentimento tomou conta dos jovens adolescentes.
Ryo conseguiu conquistar Sora, seu nome foi escolhido pelos pais e significava céu, e de olhos fechados aconteceu o primeiro beijo, num átimo, num abrir e fechar de olhos o jovem se transportou ao céu, e entre as nuvens viu uma raposa dourada, fulgente, resplandecente, correu em sua direção e quando virou pôde avistar o rosto de Sora e no mesmo instante voltou para terra, e um longo abraço marcou o início de um lindo relacionamento.
A vida de Ryo estava bem, sua completude ao lado de Sora o fez refletir sobre o respeito e a veneração aos deuses que estão presentes na natureza de diversas formas, apreciadores de passeios em montanhas, foram juntos se descobrindo, em cada pedra e árvore sentiam o kami 神 da raposa, e Sora lhe contou que seus antepassados cultuavam Inari, uma deusa bela e jovem que em seus primeiros registros aparecia em forma de raposa; os dois da religião shintô, associavam os fenômenos naturais com os deuses. E assim continuavam longas conversas em sintonia sobre seus valores e crenças, cada vez mais apaixonados.
Por meses conversaram sobre deuses, cada um com suas histórias, Ryo apontava as características dos mitos e deuses japoneses, com histórias populares ou religiosas complexas, sobre como o povo acreditava que todos os elementos presentes no universo possuem alma, por isso são cultuados como seres superiores, deuses imortais, semelhantes às religiões de diversos povos; já Sora, entusiasta da mitologia Grega, comentava com o namorado, a importância desta união de vários mitos e lendas, sobre diversos deuses, ninfas, titãs e várias outras criaturas e seres, e o quanto foi fundamental para o povo através dos mitos explicar tudo sobre a vida, o surgimento do mundo, e até mesmo a vida após a morte. Ryo já sabia do fascínio de Sora pelo deus Zeus, como principal deus da mitologia grega, líder dos deuses que vivem no Monte Olimpo, possuía o dever de julgar e impor a ordem sobre o mundo, lançando poderosos raios para tanto. E assim os dois se apaixonaram ainda mais um pelo outro e enriqueçam sua cultura e sonhos.
O tempo foi passando e Ryo soube que Sora era uma heroína que nasceu com o poder de lutar contra o mal, corajosa e determinada travava batalhas contra forças do mal, onde quer que fosse e com a força do bem derrotava monstros e injustiças; Ryo ficou admirado e honrado por amar alguém tão especial e pensou em contar sobre suas habilidades de se transportar para o céu entre as nuvens e andar sobre elas, mas achou que Sora pudesse julgá-lo de forma errada e se calou.
Naquela noite o sonho foi mais vívido, Ryo se viu no céu com Sora e lá os dois enfrentavam um grande monstro que tinha dentro dele muitos yõkais, demônios. Acordou assustado, mas aliviado que tinham vencido a batalha.
Na escola os dois ficavam juntos no intervalo e muitas vezes notaram e se revoltaram com atitudes de bulling, assédio moral e até violência entre estudantes, por diversas razões ou falta de razão ocorriam brigas e insultos vindos de uma das partes, o agressor, e cabia a vítima das ofensas, assédios e incômodos defender-se ou ser atacado; nessa hora Sora e Ryo se olhavam e pareciam que iriam atacar o monstro, cada um dos agressores, que se sentiam poderosos e satisfeitos em provocar o sofrimento do outro. Desejaram ser Zeus, rei dos deuses, a imagem de Zeus veio a cabeça deles, representada por um homem forte, barbudo, de aspecto majestoso, com um raio na mão e uma águia a seu lado, seu significado associado à justiça e lei divina correspondia a tudo aquilo que os jovens acreditavam. O deus do céu e do clima, dotado de poderes imbatíveis e uma imortalidade garantida pelas taças de néctar e bocadas de ambrosia com que se alimentam no alto do Monte Olimpo, poderia interferir nessas brigas injustas, e punir os que julga culpados em busca da proteção dos inocentes para o bem maior.
As divindades mitológicas sempre tiveram nas mãos o destino dos homens e regiam o mundo, conduzindo o espetáculo da vida, Ryo e Sora acreditavam que nos tempos atuais os deuses não deixariam s terra sem proteção e assim crente de sua ajuda carregavam a esperança de poder fazer a diferença.
Mas tudo ficou somente na ideia, contudo a vida deles estava para mudar, juntos eles podiam fazer mais, fazer acontecer, e logo perceberam seus poderes. Sora, contou para Ryo que estava sim em seu sonho como mensageira de Inari[3] enaquela tarde tudo mudou, descobriram do que ele era capaz.
Seu bisavô era um grande samurai e Sora era a décima geração de heróis na família que lutavam com espírito de determinação e perseverança para proteger a vida, contra o intolerável e as forças do mal juntamente com pessoas valorosas, honradas e heróis com o mesmo objetivo.
A partir da noite do sonho, todo dia era igual, ao dormir Ryo já estava nas nuvens andando sobre elas e via ao longe uma Kitsune Tengoku, uma figura mágica que representava ardileza e inteligência, portadora de poderes místicos, e quando chegava perto a raposa se transformava numa moça.
Agora Ryo já havia escolhido o que fazer no futuro, ele queria ser herói, depois de lutar com as dores e dificuldades do crescimento estava pronto para conhecer seus poderes.
Ele conseguiu entrar no Colégio Hero Academia, universidade para heróis, a melhor do Japão, com provas práticas de heroísmo além de outras disciplinas, e se tornaria um excelente herói profissional em serviço da sociedade. A família ficou feliz, Sora o apoiava e juntos combateram os maiores monstros do bulling e injustiças; lutaram contra o intolerável e se juntaram a outros heróis que também faziam o bem vencer contra o mal dotados de poderes extraordinários, lutavam para proteger os mais fracos e restaurar a humanidade com senso de dever e solidariedade.
Miyuki sempre se referia a mitologia japonesa para guiar sua vida e desta vez lembrou que do shinto, existem algumas deidades importantes na história japonesa conhecidas por serem protetores e desejou que Hachiman – Deus Protetor dos Guerreiros estivesse com eles nas grandes batalhas. Ryo agradeceu, ele sabia que viriam lutas difíceis e que precisariam da ajuda de Hachiman nesse novo universo.
Sora descobriu ser uma kitsune Tengoku, ou Céu/Celestial e ao revelar para Ryo compreenderam a força da ligação dos dois com o céu, ele entendeu que seu poder de andar nas nuvens era verdadeiro e que Sora o ajudou no seu desenvolvimento a se conhecer como herói, reconhecendo seus poderes para usá-los com sabedoria.
Como herói, Ryo era conhecido entre as crianças como Kintarō[4], com sua força prodigiosa, servia de exemplo para as crianças, todas queriam ser fortes e corajosas como ele. Ryo tinha a proteção de Kintaro, herói do folclore japonês e Sora a proteção de Kitsune, que muitas vezes com sua astúcia e charme manipula situações a seu favor, também gosta de jogar jogos de estratégia e muitas vezes elabora planos elaborados para superar seus oponentes. Ambos sabiam que contavam com a ajuda de Zeus, o deus grego que se apresentou para colaborar com a bem-aventurança da sociedade nos tempos atuais.
Sora sabia que a kitsune era seu espírito animal e usou a seu favor travando batalhas contra Yuki-Onna, criatura sobrenatural com poderes de gelo e a fisionomia de uma bela e jovem mulher de vestes brancas, que atraía pessoas perdidas encantadas com a sua aparência e quando a seguiam para dentro da nevasca eram congelados ou devorados pelos yokais; e com determinação, compaixão, uma crença inabalável no poder do bem sobre o mal vencia e mantinha junto com Ryo a cidade livre das monstruosidades que ameaçavam a humanidade.
Além da proteção dos deuses japoneses, Sora acreditava que eles estavam sendo regidos por Zeus, que controlava o universo e os céus e como senhor dos mortais, protetor de reis e heróis certamente estaria ao lado deles nas batalhas. O deus da religiosidade dos gregos, considerado o comandante do Universo e aquele que regia e supervisionava os seres humanos e os deuses, poderia intervir e resolver desentendimentos, aprisionando os malfeitores pela eternidade no Tártaro, um dos domínios do submundo.
As lutas e batalhas continuaram para os heróis recém formados e em muitas ocasiões Zeus interveio nos assuntos humanos enfrentados por eles e com sua força e ideias de justiça, ordem e liderança, o deus do trovão, dos céus e do raio trouxe a vitória a favor do bem e com seu poder tornou tudo possível para os jovens heróis.
Os jovens apaixonados estavam entrelaçados entre o céu e a terra, entre o amor um pelo outro e buscavam juntos justiça e equilíbrio entre as forças do bem e do mal.
[1] Ryo (良) em japonês pode ser interpretado como “bom” ou “pessoa excelente”.
[2] Miyuki – “Linda neve”.
[3] Deusa shinto da fertilidade, do arroz e das raposas.
[4] Kintarō (金太郎, geralmente traduzido como “Menino Dourado” ou “Menino de Ouro”) .

Silvane Silveira Fernandes nasceu e mora em Ponta Grossa, Paraná. Advogada, cursou Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e é pós-graduada pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP). Escritora de poemas e contos. Autora do livro Um romance em Marselha, Editora Proverbo. Coautora em diversas antologias; Finalista no Concurso Nacional PoeArt de Literatura 2024; 2025: Antologia Poética n. 4, Pensamentos, sentimentos e momentos, Quimera Antologias; Editora Hope, O amor que pulsa em mim; Editora Fonte de Papel, Haikais in Fonte; Editora Panóplia, Aurora de um novo tempo; Revista Ecos da Palavra n° 25; Revista Animalista n° 02, Editora Cleópatra Cartonera; Coletânea Poetas Contemporâneos 2025, Editora Persona.