A navalhista do dia é Enedina Arashiro. Da poeta segue 6 poemas.

Vivências inomináveis
Vivências sem nome deixam marcas
Por dentro fincadas, estacas
Mas onde encontrar as palavras?
Ideias esparsas, sem cercas
Conceitos dispersos se esquecem
E a quem somos desvanecem
Precisa de muita coragem
Pra enquadrar essa imagem
Num nome, numa linguagem
Dar-lhe forma de mensagem
Adentrar-se, perceber-se
Em densa dor, reconhecer-se
Com carinho, acolher-se
Aceitar-se, reviver-se
Se o nome que busca não está em si
Aceite ajuda, você pode se abrir
Existe escuta qualificada
Dor não deve ser normalizada
Comece com palavra emprestada
Uma mente desorganizada
Também merece ser cuidada!

Definitivo
As histórias que são minhas me retiram do meu lar
Indelével é o teu sol, também é o meu luar
Um é lindo, é instigante, tanto diz do teu lugar
Cá, fissura, algo imposto, me julgar, me maltratar
Muitas portas atravesso, nunca mais vou retornar
Assisti ao meu castelo destruído a queimar
Fortaleza, segurança, identidade, me amar
O castelo é tudo isso, muito mais… me dói lembrar
Os caquinhos do espelho estão no chão, eu a pisar
Pedacinhos de mim mesma, agredida e sem lutar
Sem espelho não me vejo, não consigo me encontrar
Esquecida de quem sou, minha força eu tento achar
Um castelo cá por dentro me faz falta e faz chorar
Sem castelo, sem espelho, sem um sol e a sangrar
Sem coroa, sem espada, sem caminho pra trilhar
Longa noite no silêncio, não consigo nem falar!
Cicatriz é o contraponto do teu sol no meu lugar
Tatuagens são potência, cicatrizes são cortar
Nossas marcas são histórias, não podemos apagar
Eu procuro pela luz: no meu próprio sol brilhar
Quero achar meus raios plenos, pra aquecer e iluminar

Sentidos que herdei de meu pai
Desenhe as letras no ar
Agarre as chances de estudar
Folclore das fábulas, o escutar
Aprenda a ir aonde quer estar
Tome decisões por si
Quem cuida nem sempre sorri
Silêncio diz algo de si
Que ama às vezes rejeita
Não aceite quem não te aceita
Esteja atenta ao seu entorno
Distâncias causam transtorno
Perguntas ficam sem retorno
Crescer é lidar com a ausência
O nome sobrevive à existência

Casas de habitação
A casa da minha mãe
A casa da irmã que é minha mãe
A casa da irmã que é mãe da minha mãe
A casa do irmão que é um pouco mãe
A casa em que me invento como mãe
A minha casa de mãe
A casa da mãe da minha mãe
A casa em que não existe mais mãe
A casa da minha filha
A casa de ser filha da minha filha
A casa é toda uma família
Casas saem do lugar
A única casa possível
É viver-me como um lar
Sentir-me a mim familiar
Sou casa em que venho me habitar
Em mim mesma, me morar

Pedras no caminho
No caminho, muitas pedras
Não se preocupe com elas
Comece algum caminho
Mas se não encontra caminho
Invente-se caminho
Ser-caminho é um rio que flui
A direção é você quem intui
Pise, salte, contorne
Não pare, não se conforme!
Faça do seu jeito
Não há errado, nem direito
Levante logo o seu pé,
movimente-se com fé!
Mesmo assim, se precisar
você pode descansar
sentado na sua pedra
antes de continuar
Vá consigo, vá buscar
Tudo que você sonhar!

Partida e com F-rida
Frida, segura minha mão
Hoje a dor está demais!
A escrita alívio traz
Mas não posso suportar
Precisamos sair desse lugar
De agonia, de pregos cravejados
De sentir os nossos mundos machucados
Sem lugar para chorar
Nem poder se esconder
No domínio do inominável
Essa dor é insuportável
Intangível, sem contornos
E sem permissão de ser
Alguma coisa aqui dentro
se volta contra mim
A angústia que eu sinto
até parece não ter fim
Partida na coluna
Muita falta de estrutura
Como dói, amiga Frida
nada cura essa ferida

Enedina Arashiro é poetisa paulistana, mãe amiga apaixonada pelo viver-se. Bacharel e Licenciada em Letras pela Universidade de São Paulo. Especialista em Design Instrucional pelo SENAC. Já exerceu o ofício de revisora de livros e, atualmente, cursa a graduação em Psicologia na Universidade Paulista. Seus versos autoterapêuticos exploram temas como adentrar-se em autoconhecimento, imersão emocional, luto, (re)construção de si e valorização da vida. É integrante do handbook “Em boas mãos”, publicado pela Editora Saraiva.