O navalhista do dia é Athos Miguel. Do poeta, segue 3 poemas.

Ataque dos Cães de Areia
Um sonar
Por mil e uma noites de sono
Farejar a pele
Procurando a carne
Com sentidos aguçados
Pelos cristais de quartzo
Transpirar pela língua que falo
Sou tremendamente apaixonado
Um pouco só
Não é tanto assim
Sou péssimo ator
E, talvez, diretor
Roteirista
Ao mirar a câmera
Desviarei o olhar de ti
Sou um Cão de Areia
E, para mais,
Me desfaço na água quente
Me entendo como ser essente
E amo demais
Até demais!
Como um Cão de Areia
Irei te atacar
Sem pena e sem vergonha
E o quebra-mar
De frutas cristalizadas
Tem o dulçor
Da Fera apaziguada
Como um Cão de Areia
Irei ladrar
E não morder, totalmente
Como um lobo do deserto
O tal do ser decente
Com arrepios tropicais
Irei, também,
Deitar e dormir
Com os outros cães
Grená, de tanto sangue derramado
Cavar, nas minas d’outro temporal
De ouro, a pintar-me os pelos
Com o nariz molhado
De tanto ver navios
Passando nas molduras da jaula
Onde amarraram as coleiras
Me perdi totalmente
Eu sei
Procurando você, por aí
Vaguei como um Cão da Alegria
A bel-prazer, nos canis da vida.

No Bloco
Os blocos passavam
Numa folia desvairada
Blocos de ébrios
Guerreiros natos
Com as mãos atadas
Na mata vasta e casta
Nas paredes quedavam
Uma paisagem rubra
Crua, avermelhada
Como a carne flagelada
Desnuda, ainda crua
Ferida, erguida a muralha
De um castelo de barro
Era minha casa, na mata
Eu era o rei das moscas
Das cobras, dos lagartos
Vivendo isolado, bravata
E vendo os carros passar
Jogando detritos na praia
Zombando de mim, na estrada
Tão doce lar, amargurado
E vendo os carros tornar
A suas torneiras, com água
A suas paredes, cimento
A suas janelas, vivendo
Aos seus pés, de mangaba
Os blocos passavam
Como carros na estrada
Meu carnaval era passado
Era parede recém pintada
Vermelho-claro, barro
Sem telha e carro. Claro.

Ao Luar
O peso do teu corpo em minhas mãos
Derrete como pingos lunares de chuva
Escorre pela grade dos dedos gelados
Encharca o recinto, alaga-o de prata
Desejo teu corpo, como beijo uma carta
Derrete a tinta fresca no papel pautado
O corpo branco, as uvas verdes ácidas
São olhos doces nos versos do poema
Os cabelos negros brilham como a noite
Cachos de uva, inebriantes como vinho
Branco, como teu corpo celeste, minha
És tão como a lua cheia para a maré
Desperto, atraído pela lua maior e una
Uma musa, adormecida em meu peito
Ressona, como a tensão do mar procura
Sua lua, a ascender na lâmina da água
Tu és o sonho que dorme ao meu lado
És a noite passada no raiar do dia
Sentindo a tua falta, a fitar-te de cima
Amparo a noite tão sonhada nos braços
No peso do teu rosto a pairar sobre mim
Eu me derreto como pingos de estrelas
Há um mar de prata que corre para a lua
Guiado pelo seu amor maior e uno.

Athos Miguel nasceu em Aracaju, capital de Sergipe, em 2004. Ele cursa Direito na Universidade Federal de Sergipe (UFS), participa ativamente de projetos de debate universitário e de estudo jurídico e internacional e possui publicações nas antologias “Prêmio Off Flip 2024” e “Na Rede”, ambas da editora Selo Off Flip. Buscando constantemente pela versatilidade lírica e temática em seus poemas, tem o lançamento de livros de poesia como um dos amores e dos projetos de sua vida.