por Gustavo Freixeda,
escritor e navalhista assistente
Samba Mudo, de Brenno Costa, é um tiro curto de efeito prolongado. São um pouco mais de 60 páginas, que variam entre poesias mais curtas e poesias mais longas. Não é uma corrida de longa duração, certo? Ou será que é? Apesar das poucas páginas, fica a sensação de travessia, de um percorrer quase forrestgumpiano que se move pelo simples desejo de se mover daqui até lá pra ver no que dá.
É o tipo de livro que você lê mais de uma vez, indo e voltando nestes ou naqueles versos. O porquê de se sentir o ensejo de fazer isso é o que intriga. Nos fragmentos salpicados ao longo dessa partitura silente, há diversas notas às quais desejamos nos ater. Caso se procure uma voz única que acompanha tudo do começo ao fim, ela não está lá para ser encontrada, muito embora temas se repitam aqui e ali. Mas, abrindo os olhos — ou então apertando-os para enxergar além —, percebe-se uma grande constante: a ausência. E, na falta, está a força do livro. O samba mudo que Brenno evoca no título é a trilha sonora que ribomba pelas paredes sempre em movimento do “labirinto”, como chamou Mário Bortolotto na orelha do livro, que o autor apresenta.
Bortolotto, vale dizer, é uma clara inspiração (sendo até mencionado no poema “Olheiras”), assim como Bukowski e outros autores dignos de panteão. Ou seja, há uma certa boemia antiquada que ocupa essas páginas, um resgate ao escritor hoje renegado que encontra poesia no sexo e na bebida, mas não com o intuito de imitá-los, louvá-los ou sequer homenageá-los. O resgate, na verdade, vem como forma de naufrágio. Vem para “não achar o caminho de volta”, como se o que já foi escrito pelos Nerudas e Maiakovskis fosse o sol batendo forte sobre a ilha deserta: é quente, a areia reflete a luz solar com deslumbre, mas a ausência ecoa mais forte que tudo.
Por essas e outras, o ir e vir de Samba Mudo é um enigma.

O humor, às vezes, é o caminho para lidar com a falta que contrasta com a presença memorial de tantas coisas. Não só o humor, mas o emocional transmutado em tête-à-tête apaixonado, desiludido, esperançoso, crítico. O sexo, a religião, a infância, o amor com farofa, a animação com futebol, todos esses aparecem como entidades tão etéreas quanto terrenas. Estão na palma da mão, mas, ao mesmo tempo, estão diáfanas e, para além delas, vê-se as pregas palmares cheias de identidade e destino.
Para um livro que toca silente, é possível sentir muitas palpitações — na virilha, no peito, nas têmporas e, claro, nos olhos, também entidades tão importantes na percussão desse samba. São eles que enxergam, são eles que posam para virarem musa, são eles que choram, sangram e encantam.
É interessante que na capa e contracapa da obra — aliás, mais uma bonita edição da editora Urutau — não consigamos ver a cara da pessoa retratada, coberta por uma forma arredondada rosa. A cabeça não está lá, mas a sombra da cabeça sim, em uma silhueta fantasmagórica. Os olhos, no meio disso tudo, talvez sejam o prisma pink que pinta alguma cor nesse preto e branco ofuscante. E, não à toa, essa é a cor da poesia que encerra o livro: “Eu gosto de calcinha rosa pink, ele disse./ Veste, ela respondeu.”
Os ecos dessas últimas palavras nos fazem voltar a um dos primeiros textos de Samba Mudo, em que Brenno escreve que fez um poema “exclusivamente para você”, dizendo depois, com cautela e um punhado de más intenções, “pode vestir”.
Se couber, maravilha; se não, o labirinto e a trouxinha de roupas novas já fazem a corrida valer a pena.

Brenno Costa é um poeta e dramaturgo do Rio de Janeiro.
Escreveu dois livros de poesia e mais de 20 peças de teatro. Seus textos estão em diversas revistas literárias, assim como na Cult. Além disso, integra o grupo de poetas do portal Fazia Poesia.