Fim.
O livro terminou, você encerra a última página e suspira, já saudoso. Talvez com um sorriso, quem sabe secando uma lágrima discreta no cantinho do olho. Agora você quer contar para todo mundo, postar nas redes sociais, sugerir a obra, criticar, conversar com quem já leu. Quer que todo o seu ciclo de leitores próximos também se emocione, que experimentem as mesmas sensações que você sentiu. Só não sabe se quer emprestar o seu livro, o seu único e precioso exemplar.
É possível que você já tenha um trauminha por ter confiado a alguém um livro que nunca mais voltou a morar na sua estante. Como um bumerangue de palavras e ideias que você atirou e está esperando o retorno por toda a eternidade.
Por aqui, tenho exemplos de todos os tipos. Há os que eu sei quem levou, mas já não tenho qualquer expectativa de um dia revê-los. Os que eu nem me lembro mais quem pegou, o caso até prescreveu e o infrator foi absolvido pelo tempo. Tem os exemplares que eu sei onde estão neste exato momento e acho que, mais cedo ou mais tarde (mais tarde, no caso), vão voltar para mim. Nessa última categoria, lembrei de umas quatro obras por aí. Todas boas, inclusive.
Para ser sincero, não me importo tanto. Acho que, antes, é importante ter regras pessoais, como não emprestar os seus xodós, aqueles mais raros, talvez os personalizados com dedicatória do autor. Na teoria, só não libero os da minha coleçãozinha do Corinthians, que são os que eu mais gosto e cumprem também a função de peças de decoração (na minha cabeça, pelo menos). Na prática, pode levar esses também, desde que devolva, vou ficar de olho.
Devo admitir que eu também já cometi o crime de apropriação do bem alheio. Sem querer, claro. Na minha estante, vive um exemplar do excelente “200 crônicas escolhidas”, de Rubem Braga, que nunca foi meu. Está sob minha guarda há mais de uma década. Pertencia ao acervo pessoal de um ex-colega de trabalho, que me emprestou quando soube que eu gostava de escrever. Só que eu saí da empresa, me mudei de cidade, o amigo trocou de agência e nunca mais tivemos notícias um do outro. Nem ele do seu livro, que eu sigo zelando até o dia da restituição – apesar de o estado de conservação não estar dos melhores, verdade seja dita.
Eu até gosto de emprestar meus livros, não tenho esse tipo de ciúme bobo. Tanto que, assim que comprei minhas primeiras obras para o Kindle, fui atrás de descobrir como fazer trocas entre os dispositivos. Pesquisei daqui, dali, testei, deu errado. Tentei com mais uma pessoa, até jogar a toalha e desistir de vez. Pelo que eu entendi, é uma questão legal de direitos autorais e no Brasil não é permitido. Uma pena.
Pena porque história boa tem que ser compartilhada mesmo, impactar e inspirar mais pessoas. Ler uma obra recomendada por alguém tem até um saborzinho a mais, porque você pode imaginar as reações do primeiro leitor e seguramente vai ter com quem debater quando terminar. Aliás, eu sou fã das iniciativas de trocas de livros, de bibliotecas coletivas.
É por isso mesmo que eu não abro mão dos que eu concedi a guarda temporária. Espero um dia tê-los de volta, justamente para emprestar novamente, para mais pessoas, e me sentir uma formiguinha útil na nobre missão de democratizar a literatura. Salvo raríssimas exceções, lugar de livro não é fechado na prateleira.
Portanto, devolva os livros que você pegou emprestados. Se possível, junto com um seu, que você recomenda e acha que aquela pessoa pode gostar – uma espécie de “juros do bem”.
Ou, se não pode retornar a obra ao proprietário original por qualquer motivo, passe-a para a frente, para outro leitor – também é uma maneira, embora meio torta, digna de honrar a confiança em você depositada em outrora e fazer aquela história ganhar o mundo. Nem sempre o bumerangue escolhe voltar para quem o arremessou, mas nada impede que ele seja atirado infinitas vezes.
A propósito, tem um livro bom para me emprestar? Quem aí gosta de Rubem Braga?

Ulisses Vasconcellos é mineiro, jornalista e mochileiro. Já rodou meio mundo e, quando não está vivendo histórias por aí, está contando alguma. Ou imaginando, pelo menos. É um fã da arte de contar histórias: as dele, as dos amigos e as que nem aconteceram, mas poderiam existir. Acredita no poder que as palavras têm de fazer rir, emocionar e refletir; de arrancar sorrisos, gargalhadas e lágrimas; e de dar vida, outra vez, às melhores memórias. É autor do livro de crônicas “Isso que eu falei” e publica textos no Instagram no @isso.que.eu.falei.