Receita de “como se espera Godot” em Ano que vem, eu vou de Flávio Komatsu
Receita de “como se espera Godot” em Ano que vem, eu vou de Flávio Komatsu

Receita de “como se espera Godot” em Ano que vem, eu vou de Flávio Komatsu

Antes de entrarmos nos poemas de Ano que vem, eu vou (Inviável Editora, 2021), destaco três coisas sobre o objeto-livro. A primeira é sobre o projeto gráfico: as páginas não foram numeradas. Um projeto que veio ao mundo em plena pandemia do COVID 19 – o que fica bastante claro o peso da influência, desde o título –, fato é que todo mundo estava farto de números naqueles “anos malditos”. Mas não dá pra saber se é essa a relação. Depois, destaco a orelha: Flávio Komatsu troca “o elogio da orelha/ por mais um poema”. Não que seja algo novo – lembro de Drummond ter feito o mesmo com seu Poema-orelha na reunião intitulada Poemas –, o destaque vai justamente por ser tão difícil de abrirmos mão desse “elogio”, desse tapinha nas costas: “o livro é bom, leiam por isso e por isso”. A terceira coisa a ser destacada eu vou deixar por último.

“e se acaso uma pandemia/ assolasse o país em que vivo…”, esses são os primeiros versos de “Os anos lá fora”. É o tema de Ano que vem, eu vou. Mas nem tudo se limita à pandemia. Como é típico dos primeiros livros, o poeta fala muito de si. Esse eu-lírico vai falar sobre seus anseios, receios, desejos, suas angústias frente a esses dias em que se vivia “como se espera Godot em algum canto”, como quem fala de si para se esquecer.

Uma coisa que muito me agrada nesse livro é o número de vezes que aparece a palavra “vida”. Toda literatura que reflete sobre nossas limitações, que trabalha sobre o (ou a falta) de sentido da vida, me interessa de alguma forma. Até onde me lembro, isso é culpa de “Tabacaria”, de Álvaro de Campos. Coisa da adolescência. E por falar nisso, no poema “Elo perdido” lembramos de Pessoa e ainda podemos resumir bem este parágrafo: “quem sou?/ nunca serei nada:/ esse negócio de ser dá trabalho// moído no fardo dos anos/ extraindo sentido da vida”.

“Só se faz entendido no grito” é o título de uma das cinco seções do livro. Na angústia daqueles dias, quem não sentiu vontade de gritar? O poeta escreve. “minimalista/ a vida de menos/ encerrou em mim mesmo/ o inferno dos outros”.

Por fim, falo do fim. Falo do último poema (?) de Ano que vem, eu vou. Publicado em 2021, na última folha do livro encontramos um calendário do ano 2022. Antes dele, o poema cujo o título nomeia também o livro, com seus dois versos: “vou mesmo/ te juro”. Qual é o último poema? Aliás, será quem em 2022 Flávio Komatsu foi? Única coisa que sabemos é que um livro de poesia não deve explicações. E aí está a (des)graça.  


Flávio Komatsu nasceu em Uberlândia em 1981. Mestre em Estudos de Literatura pela UFSCAR, vive em São Carlos desde 2013. É autor do romance hipertextual Terminal e do livro de contos tão somente o sublime da graça.

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