As navalhadas do dia ficam por conta de Maria Emanuelle. Os poemas que seguem estão presentes em Amarelo mostarda, livro de estreia da autora mineira. Está em pré-venda até o dia 30/09, publicado pela Editora Nauta.

o parto e a partida das gramíneas
I.
as gramíneas batem a língua afiada nos dentes
carentes de carícias: como a pele de todos os seres
pedem: pousa em mim esses seus olhos de corais
II.
flauta sépia tocando o exoesqueleto das manhãs.
cada espinho do limoeiro parindo Deus. as gramíneas
podem ver: caem os losangos. amoras agora. humanos
microprapagando orquídeas. os decompositores não
mais compõem mãos podres em gramíneas.
III.
tempo de metástase metafísica. a areia discute com o
mar: é necessário um pouco de escuridão
é efêmero o que fica em insistente luz
IV.
as folhas se arrepiaram
arrepiar-se
ainda
como a areia com a água
ao sumir em sumidouros
V.
as gramíneas viram o primeiro homem
ser esmagado pela primeira pedra após
o primeiro primata
ter pintado a primeira pintura.
elas sorriram.
essa necessidade
trófica
ancestral
de esmagar
e ser esmagado.

letal te olhar com olhos recém sorridos
anotei tudo:
amanhã de manhã
vou retirar a poeira dos olhos
para que assim o sol possa comê-los
como você costumava fazer
vou dar um nome
para esse castanho dos meus olhos
(quando a terra do quintal estiver
com o mesmo tom de castanho
plantarei amoreiras. irei)
amanhã de manhã
irei escutar todo ruído
e quando esbarrar nos móveis
tomarei isto como uma pista.
amanhã de manhã
na primeira hora
irei anotar o canto dos pássaros
mas somente os que tamborilam
ou qualquer outro som que relembre
o nosso bater de bicos
amanhã de manhã
vou contar todas as goiabas que caírem
e dentro delas contarei cada larva
pela tarde farei doce.
comerei um quilo de goiabada com queijo.

dengodesdém
comprei um pequeno cacto permaneço
fiel à paixão das coisas de baixa
manutenção. a orquídea floresce,
os afropássaros acordam cedo
o chá e o café estão sempre frescos.
curioso como os olhos podem servir
de colher. assim meço os dias, o risinho
o grito, o balanço, fazem trinta. duas
colheres de sol, quatro olhos
de nuvem, assim vai. é nublado.
queria continuar a te dizer
Sobre a autora:

Nasceu em 15 de novembro de 2000 em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Seu primeiro livro, intitulado Amarelo mostarda, sai pela Editora Nauta (2024). Anterior ao livro, sua obra vem sendo publicada em antologias (Há quarenta e seis pés, Devires Poéticos, III Prêmio AFEIGRAF, Cartografias Ed. Primata, A mulher que não sou eu, Ed. Monduru) e revistas (Totem&Pagu, Cassandra, Aboio, Ruído Manifesto, Casa Inventada, Oficina Literário da Revista Cult, Cupim). Ganhou o segundo prêmio do Prêmio Poesia Agora Verão 2021 (Trevo) e participou do Clipe Poesia 2023 na Casa das Rosas.