As navalhadas do dia ficam por conta de Luciana Moraes. Da poeta e tradutora segue 7 poemas dos livros Tentei chegar aqui com estas mãos (Isto Edições, 2022) e Flor de sangue (Editora Libertinagem, 2024).

Do livro Tentei chegar aqui com estas mãos
Seção: Diálogos ecfrásticos
Break and Bring
[Em diálogo com “Orange Break”(1989-90), Susan Rothenberg]
é uma bomba e sai
Flamirrasgada
fava
Içada no interior
vazado da noite
Ilhada lábia
Olhar dado ao mar
Orange. into. souls
microscópico é o eixo sintético
familiar besouro ótico transladado
da Córnea cristalina à Catarata
Vindas em delineadas moradas
entre o evento abstrato
Figural do acesso ciliar
Clavi-murmuram cores escarpadas
buscam Eu-carióticos verdadeiros
É um cisco no olho da vida
Içada
raros instantes versados
sobre a mesa
tolhida ela está
Somente. por. derivações
malvistas
Embora
Içada
no mundo lamplialado
se possa Voar

Guardiã do lume
[Em diálogo com “Sem título”, gravura em metal (1959), Anna Letycia.]
Grave é esta gota ;;
desejando
o retorno do fruto
;;
Seus membros
_
ao encontro da queda
ao encontro do amor
ao encontro da queda do fuTUro
_
Nossas unhas nossos corpos Outras
terras e qual teologia?
_
Prepara sua cama sem sabão
folhas nascentes
Casulo mirante
bonsai capturado
_
Analógico tempo tão
raro te encontrar
Como eu cantei com você?
;;
Desejando
O encontro :
O que vivi?
;;
no Sol vermelho que nos viu crescer
_;

Seção: Cotidiano tocado à espreita
Da criaçã0 em zer0
Se agrega a0 mapa de pequenas
dimensões : treme se arrepia : ela
se sente se abraça bem
na p0rta d0 últim0 dia c0nhecid0
que h0uve que havia – diz –
quand0 eu sabia a0nde eu ia
ag0ra, grit0 invisível
vence lúdic0 lúcid0 e def0rmad0
a vida na m0rte e vice-versa
não se perde a v0z
estam0s junt0s num temp0 0utr0
mas n0ta este esface-
lad0 vazi0 que n0s cer-
cá
invade e jaz Impress0 n0 papel
nã0 etern0, mesm0 assim
s0lar (( mais que presente
0 áp0r0 )( transmutand0-se
para um dia se ver em v00((
cert0

Do livro Flor de sangue
Seção I
Com Walser e linhas sem tempo
(DANÇA-RAIZ)
6.
Estudar o branco da febre
o desaparecimento
da serena face
de ontem
a História jaz com recidiva na boca
é duro é isso é que só começa mesmo outra quando?
se a visão se ajusta ao vazio
Robert, a olho nu,
enxergamos as palavras da terra.

Seção II
Dos dias raros
(A EREÇÃO do caule – o devir-ser-finca – diversifica)
Rastro 7
Habitar um corpo com outro corpo
construir a casa
onde o vento movimenta o canto da noite
o nosso olhar
avançando em degraus
e em todo espaço
estrelas e corpos celestes
piscando por nossos
gestos silentes
Superado um sonho terrível
vamos tomar o presente estado
e, sem saber como, criar novas páginas
revigoradas por patas floridas

Komorebi (木漏れ日)
Nas frestas do dia
verei a primeira vez
da incidência luminosa
tal como o detalhe capturado
por seus olhos no filme
(a visão do que somos)
Entre as copas das árvores
(a imagem que vejo é onde estou)
fotografo a pulsação do outono
e sinto o Filho soprado de um verso:
o céu deu à luz hoje

Seção III
Da flor à semente
(a floração marrom)
O céu sobre Berlim
A flor de uma força aérea
não esquecida na chuva
arrebentando a vida pelo próprio
desejo de um amor vitorioso
presente em suas asas partidas que
no seu desvio velando o fogo à noite
angelicando a aurora dos seres
guardava o presente da carne
com um sentimento inominável
Sobre a autora:

Luciana Moraes é poeta, graduada em Letras pela Unirio, revisora e tradutora literária. Integra os coletivos “Fazia Poesia” e “Escreviventes”, pesquisando o hibridismo nas artes extemporâneas. Em 2023, foi tardiamente diagnosticada com TEA. Há publicações e traduções de sua autoria em revistas como “Athena” e “Cronopio” , no portal “Fazia Poesia” e na editora Fictícia. Presente em diferentes projetos poéticos, como na “Versão brasileira: a voz da mulher” (2023, Prefeitura – RJ) – e “Coletânea Off Flip de Literatura –Poesia” (2023, Paraty – RJ). Livros: Tentei chegar aqui com estas mãos (2022) e Flor de sangue (2024).