Com a navalha, Juliana Depiné. Vamos de 5 poemas:

Cuidado
com o que você não deseja.

Do canto do banheiro encolhida
Acompanho na pia a queda
de tufos de barba suja
fedendo a descaso e traição
Nas lágrimas engasgo e não grito
Te odeio e sentencio
Com o rosto liso, te abraço compassiva
Carinhosa até faço troça:
– amor, olha esse matinho de pêlo esquecido!
Você aliviado nas entrelinhas. A última navalhada vai ser minha.

Todo inconsciente um abusador
Quando não consinto se enche de poder
Quando digo – Basta!
Molesta-me com pesadelos
em que veste o disfarce
antes de rasgar-me as vestes
que me protegem do desejo

Não me peçam o lide
Que nessa guerra sou repórter e vítima
E refugiada em terra sem governo
Relato arrebatamentos em léxico militar
Em belos e bélicos clichês
(tiragens suplementares de uma mesma edição)
Não me peçam o quê quem onde como quando e por quê
Não me cortem as palavras, não me peçam economia
Nem neutralidade nem parcimônia
(me contaram que ando mais lacaniana que lacônica)
Renuncio ao território, ao impresso e ao público
e ao princípio do contraditório, ao off e ao sigilo da fonte
Rejeito a imparcialidade porque defendo teu lado
Uma jornada, um nome e uma bandeira
Narrando ao vivo essa história
Direto do acampamento que fiz na fronteira do teu corpo
com o meu

O poeta detesta o senso comum.
A pujança de sabedoria coletiva que abarca
ameaça o ego autoral.
Corre apavorado do lugar-comum,
desdobra-se em intermináveis metáforas
espantosamente afastadas do objeto referenciado
e ele não nota,
seduzido que está pelo mistério, ritmo e forma.
Longe cinco estados do neto
quando a avó lê a poesia
ternamente ignora que toda ela cabia
no curto dito popular que ela sempre repetia

Juliana Depiné é doutora em Comunicação Social, jornalista e publicitária. Há pouco
vem se assumindo como escritora criativa e se embrenhando em trilhas literárias para
desespero da analista, que agora trabalha dobrado. Publicou um conto aqui, um
microconto ali, e segue aprendiz. Mora no Rio de Janeiro (capital), Brasil.