Com a navalha: Carol Coelho. Ficamos com 5 poemas dela. Confira:

BOMBARDEIO
acordei com uma bomba
que não explodiu ainda
lá no canto do quarto,
impenetrável e rígida
pronta para destruir tudo
que eu já conheci um dia.
conforme o tempo vai passando,
mais aumenta minha agonia
sem clarão, nem explosão
é uma bomba de rotina:
acordar, temer pela minha vida,
sonhar em me libertar um dia
e afirmar que ela não vai
me pegar desprevenida,
sempre pronta, sempre alerta,
desperta para qualquer sinal,
qualquer indício de que a ameaça
está em curso de ação.
o que se encontra entre
o imaginário e o real
é uma angústia abissal
de pensar quando essa bomba
vai selar o meu final,
mas esse é o truque dela
a tortura no umbral
os dias todos são iguais,
de uma aflição infernal
e a bomba que não explode,
mas que também não some,
que vai brincando com a chance
de causar a minha morte,
e que ao invés de explodir
aos poucos me consome.
é o pior tipo de morte
todo dia um pouquinho
queria eu ter a grande sorte
dessa bomba finalmente
me fazer em pedacinhos.

SEMENTE
por muito tempo
estive arisca
ao raiar do sol
e à luz do dia,
encontrando o meu conforto
enquanto encolhida
numa escuridão
que não me pertencia.
agora há pouco
eu nem queria
levantar da minha cama,
enrolada em cobertores,
nas minhas dores
e nos meus dramas,
mas sei que não dá pra ser assim,
não sei viver
com pena de mim e
lembrar disso me faz sorrir.
de repente eu estou
tão longe de casa
e das minhas amarras
agora tudo é sempre o prólogo
de alguma outra coisa,
é que a vida nunca para
e eu tenho fome de vida,
não sei viver bem
acorrentada em agonias.
tudo que eu preciso
está aqui,
bem guardado
dentro de mim,
cuidar disso
é o mínimo
que eu me devo
pra poder me fazer sorrir.

6×1
mais um mês
vendendo o almoço
pra comprar a janta
e perguntando a mim mesma
“mas será que você não cansa
dessa vida de desesperança?
dessa vida que é no limite?
dessa vida que oprime
e que faz trabalhar muito?
a ponto de só encontrar a paz
sendo baixada ao seu túmulo?”
aqui jaz um defunto
cansado e torpe
de alguém que passa o dia
em bairro nobre,
servindo aos esnobes
e se lembrando de que é pobre,
de que mora na leste e
que às sete o trem tá um porre
então é melhor correr,
melhor não dar mole,
melhor amansar essa raiva
que te consome,
que come o seu juízo
e que tapa a vista
para toda a vida
que existe além disso.

DENOMINADOR COMUM
o tempo passa e ainda tem
tanta coisa que não convém
contar pra ninguém porque
a poucos interessa saber
o que veio a acontecer
pra entender como
a felicidade me cai bem.
há muitos segredos meus
que são bem melhores guardados
no fundo da gaveta,
no cantinho do quarto,
e até mesmo
quando isso me mata
tem coisas que eu sei
que não faz bem
a gente falar assim, na lata.
e, pensando no que se passa,
me pergunto de onde vem a calma.
de onde vem?
de onde vem o que eu sou
quando eu não preciso ser ninguém?

EU SOU O ELEFANTE NA SALA
eu não sei como é
não ocupar uma sala inteira
com a minha presença
e, cansada de tentar
parecer pequena,
quero arrebentar amarras,
promover alguma desgraça,
algum incômodo,
algo antagônico ao sentimento
e à necessidade de ser
um pouquinho menos.
farta de ensaiar
a mudança que não vem
desisto de ser minha própria refém
e ocupar toda a sala,
e até além,
expandir, quebrar janelas
e explorar tudo
que eu posso fazer bem
estando fora de mim
ou da parte que se estressa
querendo saber quantos quilogramas
essa minha carcaça pesa.

Carol Coelho tem 24 anos e carrega as chagas de quem passou a vida toda na capital paulista. Além de escrever, lê a sorte nas cartas do tarot e redige a newsletter Notas da Babilônia. Sua escrita transita entre o concreto e o cósmico, entre a prosa e a poesia e é parte da sua forma de experimentar a vida desde muito cedo. Leitora ávida de romances e ensaios, grande fã de hip hop e torcedora do Corinthians, encontra nas palavras refúgio para o caos urbano e o ritmo acelerado da cidade.