Segunda-feira, 18 de maio de 2020. Como de costume, nos últimos 64 dias, estava em home office. A segunda é um dos 3 dias da semana que trabalho de casa e não preciso ir à Fiocruz. Um movimento intenso de helicópteros se iniciou no meio da tarde, aqui em Botafogo. Foram algumas idas e vindas que chamaram a minha atenção. Após toda barulheira, voltei a minha concentração para o trabalho.
Hoje, terça-feira, 19 de maio de 2020, me deparo com a notícia de uma operação policial no município de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Esta ação levou à óbito João. João Pedro! Segundo relatos, um tiro atingiu seu abdômen enquanto ele estava brincando com os primos no sofá. Sem esperar pela morte, pelo contrário… se preservando e seguindo recomendações de isolamento para não morrer por outra causa, o vírus que tem levado tantas pessoas.
João, 14 anos, negro, morador de comunidade. Não é por acaso. No meio de tantos óbitos pelo coronavírus, um nome se sobressai. E justamente por aquilo que boa parte da sociedade se recusa a enxergar: a violência contra negros, a violência nas comunidades, a violência contra os mais pobres…
João Pedro, mal sabia eu que o som de sua partida, para mim, foi o passar do helicóptero sobre minha cabeça te levando, provavelmente já sem vida, para o grupamento de bombeiros na Lagoa. Você se foi sem aviso, deixando a todos que te amam atordoados. Para muitos, o som de João será o de disparos e gritos dos policiais.
Para sua família, o som de João já não existe mais.
Descansa em paz, João.

Diogo Chalegre, 40 anos, nascido em Pernambuco em 04 de abril de 1984. Saiu de seu Estado em 2013 para morar em Brasília e, desde 2019, reside em Botafogo, Rio de Janeiro. Biólogo e Dr em Saúde Pública, trabalha na Fiocruz, no controle das doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. Gosta de escrever sobre o cotidiano no seu tempo livre e troca estes fragmentos com seu terapeuta, o que tem ajudado em seu processo de autoconhecimento.