Os poemas que seguem integram o livro Idioma, que saiu este ano pela Editora Litteralux.

Momento
A câmera lança a armadilha
com o furor de sua lente –
laça o momento que escorre
inexoravelmente.
O momento domesticado
como um cachorro com boas maneiras –
a fotografia explícita
abrandando os lapsos da mente.
Uma foto esconde grades
e espelha o oceano das inseguranças.
Dentro dela sorrisos fugazes
anseiam permanecer.

Obsessão
As cortinas do mirante
se abrem sobre o mar imenso:
espumas encaracoladas engolem
o surfista desequilibrado.
Os binóculos do mirante
descobrem o mar e seus incensos:
as ondas que insistem em desabrochar,
os surfistas que insistem em viver.
O surfista persiste
em sua caçada agoniada por uma onda
que seja presa de sua prancha –
todos que surfam são domadores de leões
e cada centímetro de mar
é um candidato a algoz.
Trava-se a luta por uma onda perfeita
onde se inscreva o corte da prancha
e, das espumas marítimas,
soprem os versos
dóceis à caneta bruta.
Para que o surfista suba no mirante
e assista à distância sua obra:
espectador e protagonista
– poeta –
entre erros e acertos nas manobras.

Píer
No píer as águas ficam mais próximas:
a corrida esbaforida sobre as veias rochosas
é um claro teste de resistência
da transparência em uma tela cinza.
As espumas escalam a tela pétrea
e lançam sua rede em um embate colossal –
o tempo evolui para eternidade
nas veredas deste enlace mineral.
O mar e as rochas são permanência
aos olhos da mulher no píer –
sonhos intensos são gerados
no estalo de um coração efêmero.
O mar e as rochas hipnotizam
a espectadora sobre o píer:
como as águas ela também beija
a aspereza da pedra.

Perigo
Os homens disseram que o amor
é mais violento do que uma bomba.
As lâminas das línguas
percorrem o labirinto sangrento,
cortam-se até as vísceras.
Os homens proibiram o amor.
Tornaram-no um ato revolucionário.
Por conseguinte,
no esconderijo dos afetos
os homens se encontram.
Os rios de sangue são naturais
como as águas doces
que acalentam o efêmero
onde os casais se enamoram.
Um amor doce, se vigiado.
Desde então o beijo insurgente
entortou os dinossauros hipócritas
em um caudal de argumentos rasos.
O ódio ergueu as barragens contra o amor
e o que fluiu foi o sangue dos mortos, justificado.

Rafael Lima Miranda (07/02/1990) nasceu em Cubatão-SP. Escreve poemas desde os 13 anos. Atualmente mora em Guarujá-SP e trabalha como servidor público. É formado em Letras na Unesp de Araraquara. Integrou a coletânea “100 poemas, 100 poetas – volume 2 (Literacidade, 2013). Tem dois livros publicados: Nascente de palavras (Literacidade, 2014), Espectros da Inação (Patuá, 2019) e “Idioma” (Litteralux, 2025). Instagram para contato: rafa_lm90.