O encanto (possível) da vida adulta [resenha]
O encanto (possível) da vida adulta [resenha]

O encanto (possível) da vida adulta [resenha]

por Soraya Viana,

professora, tradutora e colunista da Revista Navalhista

(perfil completo).

Dois anos após a publicação da coletânea de contos As filhas moravam com ele ‒ semifinalista do Prêmio Oceanos 2024 ‒  chega o primeiro romance do jornalista André Giusti. Ao som de rock and roll e blues e regado a vinho, Só vale a pena se tiver encanto (Caos & Letras, 2025) trata do processo de amadurecimento de fazer as pazes com as próprias contradições e arquitetar uma coerência pessoal.

Alessandro Romani narra como sua demissão, aos 34 anos de idade, foi o primeiro de uma série de baques em sua trajetória. A partir desse evento, a alternância do jornalista entre cargos públicos e privados e o relato das perdas e transformações pessoais que experiencia compõem a espinha dorsal da história.

Paralelamente a mudanças de endereço e de emprego, crises afetivas, nascimentos e mortes de entes queridos de Romani revisitamos alguns dos destaques do noticiário brasileiro de 2002 a 2016. Situado majoritariamente em Brasília, o enredo retrata com maestria o tumulto político da época em ocorrências como o escândalo do Mensalão, as Jornadas de Junho e a crise que culminaria com o impeachment de Dilma Rousseff .

Apesar da pauta política co-protagonizar o romance, ela não o torna panfletário, pois aparece de maneira equilibrada, como marca do posicionamento de Romani e pano de fundo dos acontecimentos na esfera pessoal. Por meio de seu trabalho em diversos veículos de mídia, o jornalista revela os jogos e a volatilidade nos bastidores do poder federal, onde funcionários são contratados e realocados de acordo com a situação e a oposição da vez. 

Outro destaque no livro é o ato da escrita, que o protagonista pratica não apenas profissionalmente mas também por paixão. É curioso notar como as incertezas o estimulam a criar literatura ficcional.

Também são abordadas questões éticas, como a isenção jornalística e a necessidade, defendida por Romani, de despir notícias do jargão técnico-burocrático e torná-las acessíveis e instrumentais para grande parte da população.

O período coberto pelo romance ilustra também o rápido avanço tecnológico, em especial o da Internet, e alguns de seus desdobramentos. 

A importância da manutenção da saúde mental aparece como coadjuvante: Alegoria do apoio bem-vindo na rotina de qualquer pessoa, a psicóloga de Romani (não por acaso, chamada Amparo) exerce um papel fundamental de ser “a voz da razão” em momentos críticos para ele. 

A obra faz ainda um aceno à autoficção, já que certos elementos da vida do protagonista ‒ a profissão, o local de nascimento e o fato de ter três filhas ‒ coincidem com os do autor.

Embora paute tantos assuntos, André Giusti é hábil em construir uma trama ritmada e absorvente. A mescla criteriosa de eventos reais e ficcionais confere verossimilhança à história e a enriquece. A linguagem direta e a precisão narrativa arrematam a fluidez do texto.

Transitando por passagens leves e tensas, com cenas familiares enternecedoras e a intensidade nem sempre positiva das afeições, Só vale a pena se tiver encanto mostra com nitidez a complexidade dos sentimentos humanos. 

Ao mostrar a tentativa de Romani de permanecer fiel às próprias convicções, manter relações saudáveis e ética profissional, equilibrar as contas e encontrar algum prazer no cotidiano, a narrativa compõe um álbum de fotos das perdas e dos ganhos de uma vida, com as imperfeições inerentes a ela. A cada momento de instabilidade vivido pelo personagem, fica a mensagem de que, nas palavras de Humberto Gessinger, “somos quem podemos ser”.

Numa passagem, a mãe do protagonista, Aurora, avisa: “É tanto lixo na vida da gente disfarçado de valor, roubando nossa atenção do que realmente é valioso… é uma armadilha, Alessandro. Toma cuidado”. O conselho faz sentido na jornada do personagem e também na de todos que acumulamos frustrações e alegrias ao passo que vivemos. Refletir a respeito pode ser o início da busca por possibilidades de encantamento na maturidade.


André Giusti

André Giusti é carioca, nascido em maio de 1968. Tem dez livros publicados, sendo o mais recente (abril de 2025) seu primeiro romance, Só Vale a Pena se Houver Encanto, lançado pela Editora Caos e Letras. Antes, também pela Caos, lançou  As Filhas Moravam com Ele (contos), semifinalista do Prêmio Oceanos de 2024.

O livro de estreia do autor, Voando Pela Noite (Até de manhã), foi indicado ao Jabuti em 1997 e está na segunda edição, pela Editora 7Letras. Outras obras de destaque do autor são A Liberdade é Amarela e Conversível (7Letras, 2021, 2ª edição); A Solidão do Livro Emprestado (7Letras, 2003 e Penalux, 2018, 2º edição) e A Maturidade Angustiada (Penalux, 2017), todos de contos.

Também se destacam os volumes de poesia Os Filmes em que Morremos de Amor (Patuá, 2016) e De Tanto Bater com o Osso, a Dor Vira Anestesia (Penalux, 2021).

André Giusti também é jornalista, tendo sido diretor de redação âncora e repórter em empresas como Sistema Globo de Rádio (Rádio CBN) e Grupo Bandeirante de Comunicação (Band e Band News FM). O autor mora em Brasília.

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