No oratório selvagem: O vazio existencial e a busca por sublimação [resenha]
No oratório selvagem: O vazio existencial e a busca por sublimação [resenha]

No oratório selvagem: O vazio existencial e a busca por sublimação [resenha]

por Soraya Viana,

professora, tradutora e colunista da Revista Navalhista

(perfil completo).

A frase inicial do primeiro livro de Nomura Honorato, Sacrário vazio (Arte Impressa, 2024), já dá o tom da narrativa: “Judas, Judas, traidor, afunda!”, gritam oito colegas de escola enquanto o menino submerge num rio. 

Aos 12 anos, o introvertido Judas Tadeu segue a fé católica da mãe, Elis. A personalidade curiosa, o amor pela natureza e a sensibilidade do garoto fazem dele um dos alvos preferidos de valentões na escola. 

Já adolescente, num colégio católico de elite, o protagonista consegue se enturmar, porém sua intensidade o leva ao encontro de outra forma de violência, desta vez auto-infligida.

Também incentivado por Elis, Judas lê vorazmente desde criança. 

Acompanhando as leituras do personagem, o romance traz variadas referências clássicas. Há menções a Agatha Christie, Charles Dickens e Raul Pompeia, entre outras. O ateneu, aliás, ressoa no tema da violência escolar, que Nomura Honorato atualiza ao enfocar o papel de problemas contemporâneos ‒ como o abuso de drogas ‒ na formação do caráter juvenil.

Por sua religiosidade, durante a infância o personagem lê ainda nomes da tradição católica, incluindo Tomás de Aquino. Já na adolescência e no início da fase adulta, ele consome textos esotéricos, como os de Stanislas de Guaita, e aprofunda-se em filosofia teológica e ocultismo. 

Em rima com a intelectualidade do protagonista e a solenidade do pano de fundo da história, Nomura Honorato faz uso de uma linguagem elegante, embora acessível.

Felipe Nomura

O autor é hábil em construir uma atmosfera tensa que, durante toda a leitura, nos faz sentir a iminência da próxima agressão. De maneira gradual, a narrativa revela que Judas é (somos todos?) sacrário vazio à procura de um propósito para preenchê-lo. 

A exemplo do que acontece em tradições filosófico-religiosas, a trama do romance é urdida com uma profusão de símbolos místicos. Os mais recorrentes são a cruz, emblema de expiação de pecados, e o sapo, animal associado à cura no xamanismo. A dicotomia sagrado/profano, representada pelos dois elementos, sintetiza o percurso de Judas na busca por conhecimento e elevação espiritual que culmina em obsessão.

Sacrário vazio é um romance de formação instigante e profundamente filosófico. Como tal, suscita mais questionamentos do que responde. Qual o sentido de uma vida individual? Como viver com propósito? Quando a curiosidade intelectual deixa de ser saudável? É possível aprofundar-se numa ideologia sem tornar-se escravo dela? Ou, conforme o lema da Ordem dos Cartuxos, Stat crux dum volvitur orbis, como permanecer firme, a exemplo da cruz, enquanto o mundo gira? 


Felipe Nomura

Nomura Honorato nasceu em 1998, passou a infância no Japão e atualmente reside em Itajaí, Santa Catarina. Viveu sua adolescência na psicodelia e sua juventude como vocacionado a carmelita descalço. Hoje é casado com Isabele e pai de Vicente e Paulo. Sua obra transita entre o hermetismo literário e a introspecção simbólica, sempre dialogando com a espiritualidade, a filosofia e o grotesco.

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