
OS DIAS
Era uma tarde de abril.
Caiu… algumas gotas
desde aquele dia.
Hoje…
choveu forte.
Mas amanhã —
a tempestade virá.
Eu sei.
Tentei contar os dias.
Não coube nos dedos.
Não saberia dizer
com quantos pares
de mãos
e pés
eu precisaria nascer
para conseguir chegar
em um número.
Lembrei que não quero contar.
Lembrei que não quero lembrar.
Não.
Quero.
Lembrar.
Aquelas gotas…
corroem minha pele.
Têm o cheiro forte.
E fazem
arder
os olhos.
Lembrei do vazio.
Lembrei do frio.
Lembrei dos prenúncios que ignorei.
Lembrei… dos vieses.
Não lembro mais!
Por vezes…
me perguntam se lembro.
Não lembrarei!
E se a tempestade vier?
Que inunde tudo.
Que acabe o mundo.
Não lembrarei.

CONTA-GOTAS
Acho que esqueci como ser feliz.
Quero sentir de novo aquele tudo de coisas,
Aquele frenesi,
Em segundos suspensos do pêndulo.
Mas tudo acontece em mim,
Na inércia do amargor.
Nesse instante, sou puxado para fora.
Esqueci que tinha um mundo aqui fora.
Meu Deus…
Tem um mundo aqui fora!
Olha aquelas flores todas…
Cavei uma cova para elas e nem percebi.
Já chegou o tremor incontrolável nas mãos.
Mal consigo levar um copo com água à boca.
Me afogo em desespero ao perceber o conta-gotas do tempo.
Agora, onde deixei as coisas todas?
Volto à linha, catando memórias,
Correndo, para que tudo não seja perdido
Nas águas colossais do esquecimento.
A todo momento me pergunto: será que já vi tudo?
Mas já sei a resposta e não gosto dela.
Não aceito.
Na verdade, não quero. Não quero, não quero.
Grito aos quatro ventos…
Será que alguém escutou aí?
Por favor, alguém?
Alguém, alguém, alguém?
Não tive tempo para ver.
Não deu tempo de ver.
Eu só queria mais daquilo…
Daquela coisa boa, sabe?
Não sei explicar bem.
Mas é aquilo que faz a gente se sentir em casa.
Devo ter sentido alguma vez…
Esqueci.
Aquela coisa, sabe, igual como tem gente
E também tem abraço.
É como a comida da mãe da gente,
Ou ser tragado pelo cheiro do bolo assando no forno
Pro café da tarde, ao entrar em casa.
Ou sentir o coração retumbando no peito
Num reencontro…
Ou assistir ao pôr do sol na praia…
Ou dançar ao som de jazz com a pessoa que gosta…
Espera!
Me deixa correr! Me deixa fazer!
Me deixa!
Não me deixe!
Não me deixe no limbo!
Não me deixe sem ver o nascer do sol outra vez.
Me leva naquela praia deserta outra vez.
Quero correr contra o vento.
Quero sentir o olho arder com o sal, no mergulho.
Posso ver os cavalos-marinhos?
Posso orar, também? Quero pedir por todo mundo.
Ainda consigo ir na roda-gigante do parque,
Que está numa das praças da cidade?
Queria ver as coisas do alto.
Será que ainda consigo voar de balão, na Capadócia?
Será que…
Será se…
Ainda não terminei!
Será que ainda há tempo de ir no mercado,
Comprar os ingredientes pra fazer aquela sobremesa,
Enquanto canto alto e desafinado?
Engraçado… sinto falta de chorar.
Será que ainda há tempo de sentir aquele cheiro,
Quando ela passa?
Será que ainda há tempo de olhar,
Mais uma vez,
Naqueles olhos?
Será que ainda há tempo?
Estou deitado no chão, porque não consegui levantar
Ao cair de joelhos.
Daqui a pouco estarei engatinhando…
Mas não tem problema, não.
Afinal, é como nos velhos tempos.
Acho que ir à Capadócia vai ficar pra depois.
Ah! E Veneza também.
Perfetto!

TALVEZ EU GOSTE DE SOFRER
Cessei minhas dores todas —
menos aquela,
por medo de sofrer.

VIDA CÃO
Tentava negar,
nos poucos segundos
que chorava.

J. Who é o nome que Jamilly Feitosa de Souza escolheu para assinar o que não cabia no mundo jurídico — e nem no silêncio. Natural de Fortaleza, Ceará, é advogada de formação, mas foi na poesia que encontrou abrigo. Para ela, o que faz não é apenas arte — é sobrevivência. Em cada verso, J. Who escreve o que a salvou: a própria escrita.
Publicada em algumas antologias poéticas, seus escritos transitam entre a fragilidade e a lucidez, dando forma ao indizível. Não busca respostas — ela abre feridas, escancara silêncios, toca o que muitos preferem esconder. São poemas que nascem de um lugar íntimo e, por vezes, sombrio, mas não sem beleza.