ALUISIO MARTINS – 5 poemas
ALUISIO MARTINS – 5 poemas

ALUISIO MARTINS – 5 poemas

Com a navalha: Aluisio Martins. Fiquem com 5 poemas dele.

 

 

Revista Navalhista

 

 

Idiossincrasia

 

uma atraca à mesa

a outra atrasa o banquete

 

uma eriça em síncope

a outra hesita o atrito

 

uma trama para si

a outra treme de si

 

uma faz o bem

sem saber o bem que a outra não fez

 

 

Revista Navalhista

 

 

Problema-chave

 

90% dos [meus] problemas são ocos

90% dos [meus] dilemas são toscos

 

[minha] arte resolve os demais

 

O resto rema

para fora da borda

 

do resto do resto do resto do resto do

 

[meu] Ego

 

Um poema sanaria o [meu] mundo

 

 

Revista Navalhista

 

 

 

Modus (in)operandi

 

o louco ficou puto

o pragmático oculto

o realista disse é isso mesmo

o matemático calculava riscos

 

insanos somos quatro

 

a certeza limita minha loucura

a dúvida bate com meu número

minha indolência…

 

a “preguiça” nordestina de explicar

 

 

Revista Navalhista

 

 

o jangadeiro

 

agarra o remo da vida do sustento das crias

 

o vento do mar sem ia sem ira sem volta

rima de lua nova com iara

 

tempo sem desperdício

tempo de gente especialmente

 

sabe o que lhe espera

sabe esperar

traja sorriso de festa para o dia voltar mais depressa

 

se turvo 

mexido mais vivo

 

se dói o estado das coisas 

sintético assim, sem grito

 

[um aceno um beijo]

 

a testa gelada da armação

 

 

Revista Navalhista

 

 

Cruzeiro do Sul

 

pela pequena janela do bimotor sobre o Juruá me embriago de verde

esqueço a morte por um dia

quero sentir a ternura de uma morte ao natural, sem medo, sem pressa

 

de noitinha, Seu Cocada me conduziu pelo Rio Madeira, catraca rastreando em meio as árvores escondidas nos igapós

 

uma barriguda gestava a próxima estiagem

seus filhos em piracemas refestelavam no cio das águas

 

eu me sentia um filho sem pai

era o que as piranhas me diziam quando batiam com os dentes na borda da catraia

 

o breu se impunha

somente os olhos dos bichos falavam

 

avistamos os jacarés antigos na beira do igarapé

seu Cocada me aponta um com a lanterna

 

naqueles olhos vi que eu estava enganado

meu pai não havia morrido no último domingo

 

sua presença evoluída agora volteava naquela praia

no mais escuro daquele denso bioma

 

fez de tudo para não ser para ser incomodado

 

descansa em paz velho cansado dos homens vivos


Aluisio Martins

Aluisio Martins é produtor cultural, escritor, poeta e faz parte de um coletivo de arte contemporânea (@collective_summation). Reside em Fortaleza, onde faz reflexões do cotidiano entre o orgânico e o concreto. Sua escrita, na poesia, conto ou crônica, busca retratar o fenômeno do mínimo existencial poético, enquanto critica estruturas estabelecidas e celebra a impermanência. Seus apetites vão da filosofia à inteligência sensível. Nordestino do mundo, acredita que tudo tem sertão no nome da alma, enxergar o mundo é saber que “tudo é lugar onde ainda não se exista”. Tem poemas e contos em vários sítios, antologias e revistas.É facilitador de processos de criação de poesias e projetos de cultura e arte (@aluisiomartinsrodrigues). Pai feliz de duas mulheres e um garoto. Incríveis.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *