Alma encarnada de corpo: a resistência ao corpo é verbo profano [resenha]
Alma encarnada de corpo: a resistência ao corpo é verbo profano [resenha]

Alma encarnada de corpo: a resistência ao corpo é verbo profano [resenha]

por Mayk Oliveira,

poeta e colunista da Revista Navalhista

(perfil completo)

“Corpo poema” (Edição do Autor, 2025), primeira plaquete de Giovani Miguez, celebra a poética da existência encarnada, encorpada. Com sensibilidade e força lírica, o autor transforma o corpo humano com suas dores, potências, marcas e prazeres, em palco onde se inscrevem histórias individuais e coletivas. A obra apresenta uma progressão temática sensível e crítica, que são listadas no prefácio, revelando o tema central do livro: o corpo como espaço de prazer e dor.

Entre os poemas, surgem temas recorrentes, como a política dos corpos que aborda opressões, padrões estéticos e a marginalização de corpos racializados, queer ou envelhecidos. Para o poeta corpos são as formas de expressão profunda para se alcançar a afetividade que só pode acontecer por meio do toque. Dessa forma, tudo que é não-corporal ou resistência ao corpo é amor arquivado com sofrimentos e expiações. Os primeiros poemas, como “corpo coral e corporalidade”, exploram a relação de sentidos, estabelecendo um tom sensorial e existencial. O núcleo mais estruturado da obra é a sequência “poéticas do corpo”, formada por 24 micropoemas numerados que abordam o corpo sob diferentes perspectivas: normas sociais, prazer, dor, doença, identidade e espiritualidade.

Alguns poemas se destacam na obra sintetizando, com ritmo e concisão, a multiplicidade de experiências corporais. Eles transitam entre a crítica social e a celebração da vida, indo da “dor que dilacera” ao “amor próprio, a divina libertação”. No poema “corpo sem nome” a emoção vem pela crueza com que se retrata a invisibilidade social dos corpos negros e femininos “deitada no chão/ com a cabeça repousada/ sobre a velha mala esfarrapada, pesada/ no sofrimento/ a sua carne preta/ invisível/ sem nome.” A imagem da mulher deitada com a cabeça sobre uma mala esfarrapada, consumida pela fome, diz muito com pouco. A linguagem direta e sem ornamentos amplia o alcance ético da obra, dando voz a corpos silenciados.Após essa série, em seus momentos de maior delicadeza, os poemas se tornam autônomos, porém interligados tematicamente, que trazem cenas de corpos marginalizados, silenciados e situações de vulnerabilidade ou beleza cotidiana.

Sobre o que de fato Miguez versa está posto na experiência do corpo enquanto lugar de subjetividade, resistência e transformação. Para o poeta o corpo vai além de matéria física pois tenta moldá-lo com a compreensão de que ele, o corpo, é a própria alma e não precisa de outros elementos de encanto. Isso ele consegue através da linguagem quando eleva o sujeito poético, político e espiritual juntamente ao corpo. Ele sente, sofre, ama, dança, adoece, resiste. É através dele que o mundo se revela e é por meio de suas marcas que se expressam afetos, traumas e desejos. Para o autor a impermanência é a identidade o corpo como espelho em constante mudança. Giovani Miguez apresenta uma obra comovente, que alia lirismo, crítica, filosofia e afeto. Em corpo poema, o corpo é o verbo que se faz carne. O autor nos propõe um exercício de cuidado: cuidar de si, do outro e do mundo e que todos possam habitar poeticamente sua própria carne.


Giovani Miguez

Giovani Miguez é poeta, escritor e servidor público. Especialista em Sociologia e Psicanálise, mestre e doutor em Ciência da Informação, com formação em Biblioterapia e mediação de leitura. Nascido em Volta Redonda (RJ), hoje reside no Rio de Janeiro. É autor de  15  livros, entre eles os recentes Um elogio à preguiça, Amor fati e Notações paridas (Uiclap, 2024). Na sua poesia, Miguez explora a expressão e reflexão existencial. Ora lírico, ora político, ora científico, mas sempre est(ético), o poeta segue sendo profundo em suas generalidades.

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