Com a navalha: Andrea Villa-Lobos. Ficamos com 7 poemas da autora:

Talvez
Às vezes um não
– indeciso sim –
voa entre o que se diz
firma-se no intermédio
ou tropeça nas entrelinhas.
Aí se arranjam confusões.
Um acordo entre o que se fala
e o que se mantém sob a guarda
(até quando e quanto se consegue)
é firmado entre desejo e o juízo
entre o silêncio e a palavra
feito o relacionamento estreito
entre cavalo e cavaleiro.

O amor
Anticorpo pra falta
analgésico pra o vazio
elixir pra o desassossego
o amor vem assim, às vezes

Ouvir estrelas
Se o desejo despido velejar
(instantes antes da grande onda)
e em vias lácteas se derramar
com se chovessem estrelas…
algo de prata vai apreender.
Se deixar por um instante
e mais outros tantos
o olhar prateando
um possível infinito
algo em ouro vai se transmutar.
E o corpo e alma incontidos
hão de ensinar com quantas
ondas, sobes e desces, vens e vais
se faz uma velejante saudade.
Se deixar o desejo velejar
nas profundezas do devaneio
vai saber o que está por trás
de “ora (direis) ouvir estrelas!”

Paixão
É lá dentro, no meio
que a vela mais arde.
Da pele ao íntimo, tudo queima
e nem o vento a chama apaga
e mesmo que a centelha
vacile, na brasa se esconde
a vivacidade da chama.
A paixão tem a natureza
de adormecido vulcão
no âmago vive a lava.

Morte
Caminho para a morte
como quem do diabo foge.
– Mas, às vezes, à tentação
(de tédios e tristezas vãs)
entrego-me de alma à ideia
de que Azrael longe me leve –.
De Átropos fujo feito os loucos.
Assim como bicho vitima da caça
quem tem juízo bom se esquiva
do feio corvo e seu voo duvidoso.
Arrastado, caminho para morte
sei que ela me espera em galas.
sei que ela é a consorte derradeira
e sem sorriso, sem ar, sem fala
vai me deixar na hora do beijo.

Predestinado
Quando se vê um possível
predestinado amor
– essa coisa troncha
que aos trouxas encanta –
se a terra treme, se o passo perde
se o ar fica rarefeito e o céu brilha
vem o frêmito do flerte
– no suspense desse instante
estrelas cadentes festejam –
sob os pés a terra
dentro dela o sismo
Na atmosfera sertaneja
às vezes a chuva cai.
Transe e silêncio incisivos
antecedem o toque e o beijo.

Cilada
Não mais saio à rua
à procura
na moita, na manhã
num canto qualquer
armadilhas
teço o seu labirinto.
No meu feminino
de aranha
tramas, teias
uma queda
pela viuvez.

Andrea Villa-Lobos é Psicóloga. Escreve poemas e outros gêneros, sob um discreto viés filosófico/psicanalítico, para tanto mergulha na complexidade das relações humanas, refletindo sobre a natureza da poesia/prosa e da linguagem em traduzir a essência das emoções, a partir de temas como: amor, desejo, paixão, vazio e a inevitável perda. Livros recentes: Réstia… um movimento na penumbra, 2020 (Glaciar), Onde cravam os dentes, 2022, Recortes do vazio, 2021 (Penalux), Não o amor, mas os arredores (Kotter) 2023. Faz parte da Coleção Insubmissas, (Mondru), com Prelúdio da pequena morte.
Parabéns! Belos textos
Parabéns! Belos poemas
Parabéns, Andrea . Bem merecido reconhecimento. Seus poemas selecionados transbordam sensibilidade a flor da pele.