Primordialmente, você deverá aprender a entrar na água. Ao contrário do movimento que se seguirá, o próprio nado, os primeiros encontros com a água devem ser lentos e demorados, para que as suas vísceras se acostumem à densidade pesada, ao empuxo; também para que o seu corpo disponha de tempo para lembrar da sensação de estar embrulhado no útero sagrado de sua mãe. A respiração deve estar calma e ritmada, os pulmões submersos por alguns minutos. Não se desespere caso lhe falte o ar.
A temperatura do seu corpo deverá se ajustar à temperatura da água. Você sentirá o arrepio em sua pele engelhada, até que a mente assimile que você está em um ambiente familiar, no entanto, há muito esquecido. As ondas que quebrarão em seu pescoço provocarão a sensação de que você é um organismo aquático. Agora, já em seu habitat natural, você não sentirá dificuldades para respirar. A água gelada lembrará que você ainda é um mamífero, e os seus pulmões serão os pulmões de uma baleia. O oxigênio sobrará em seu sangue.
Partindo propriamente para o nado, deveremos manter em mente que a delicadeza da meditação deve permanecer como uma constante, apesar da agitação iminente. O nado é, sobretudo, uma ação que requer consciência plena de nosso próprio corpo — um gesto ágil, mas fatalmente delicado.
A mais valiosa de todas as lições, para além da meditação, diz respeito ao movimento. As águas não permitem a inércia. Para que você ouça a direção de onde elas invocam o seu nome, é preciso que você quebre suas aparentes calmarias. Esse é um exercício parecido com o de quebrar as conchas para ouvir o som do mar que vem de dentro delas. Ao ouvir o seu nome, marque a direção correta com a bússola que paira no centro da sua testa. Sabendo para onde ir e estando alinhado com o movimento das águas, você poderá partir, enfim.
Os braços deverão cortar a água alternadamente, de modo que eles se estiquem ao máximo sobre a sua cabeça, como se você estivesse tentando alcançar uma fruta que se pendura em uma árvore três vezes mais alta que você.
Você falhará.
Então você tentará com o outro braço. Antes, você deverá inclinar o primeiro braço para uma segunda tentativa. Então abaixe-o pela frente do seu corpo, de modo que ele raspe sua lateral. Nessa hora, você deverá sentir uma grande quantidade de água passar por você. Você estará ajudando arraias douradas a chegarem na beira do mar, para depois voltarem. Enquanto o primeiro braço rasga a lateral do seu corpo e as arraias deslizam nas costas de suas pernas, o segundo braço tentará alcançar o fruto impossível.
Ele não conseguirá.
Então empurre as arraias novamente, agora com o segundo braço. Simultaneamente, o primeiro braço deverá estar preparado para sua segunda tentativa (sua terceira). Ele deverá voltar para o ar depois que o deslizamento atingir a altura de sua coxa. Dobre-o de forma que a articulação de seu antebraço esteja perpendicular ao seu braço. Assim, você alcançará alturas maiores na hora de tentar alcançar a fruta. Você deverá repetir essas tentativas até não ter mais para onde ir.
Sobre as pernas…
A primeira lembrança deve ser a de que, aqui, nas águas, elas importam menos que os seus braços para a movimentação. Nas águas, elas servem mais para que você não afunde. Por isso, elas devem estar sempre apressadas, movendo-se alternadamente em uma cinética que se assemelha à cinética de uma garotinha que oscila em um balanço pendurado a muitos metros do chão. Para cima e para baixo, não para frente e para trás, pois seu corpo estará na posição horizontal em relação ao mundo.
A última coisa imprescindível para não morrer: saber respirar. Aqui, os números ímpares. Se estiver disposto, de 7 em 7 braçadas, respire. Se estiver cansado, de 5 em 5 braçadas, respire. Se estiver exausto, de 3 em 3 braçadas, respire. Você fará isso no tempo em que seu antebraço encontrar o ar perpendicularmente a seu braço. Haverá um espaço no qual o seu rosto se encaixará perfeitamente. Um ouvido escutará o som sinistro dos peixes abissais, o outro ouvirá o canto dos pássaros. Esse é um momento de extrema beleza, pois você estará em comunhão com muitas faces da natureza. E ele durará apenas um segundo. Portanto, aproveite as repetições. Os números ímpares farão com que você alterne os ouvidos que escutarão o abismo e o paraíso.
Com isso, você terá chances suficientes de não se afogar. Embora eu admita que os sons do abismo são de um canto impossível de se ignorar. Ele canta o meu nome e por pouco eu resisto à sua tentação. Então eu esfrego os cabelos em minha testa e retorno ao chão firme, mesmo sabendo que não existe areia que seja sólida.
Mas um bom nadador não deve ter medo de ser traído.
P.s: se estiver nadando em uma piscina clara num lindo dia de Sol, observe o contorno da sua sombra que se desenha no chão. Os cristais de água refletidos pela luz causam uma impressão de infinita beleza quando fundidos a nossos corpos.
Sobre o autor:

Yann Maia nasceu em 1993, na cidade de Aracaju, Sergipe. Quando escreve, explora os limites das relações humanas, partindo de uma busca por entender a origem dos incômodos que nos atravessam em situações corriqueiras ou absurdas. É autor do livro de poesia Invólucros (Editora Caravana, 2024) e do livro de contos A carne entre dois ossos (Editora Urutau, 2024). Atualmente, realiza pesquisas com foco nas relações entre a Literatura e outras artes, num doutorado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Sergipe. Além disso, é músico e fotógrafo amador.
Crônica belíssima. Parabéns
Adorei! Que lindo! Imaginei meus treinos de natação exatamente assim!