por Andreia Santos,
escritora e colunista na Revista Navalhista
Em Escrinvenções Mal Ditas, Frederico Araújo apresenta uma escrita desconstruída, subvertendo a lógica de uma leitura linear, o autor põe o leitor em suspeição, deixo-o procurar (ou indagar?), nos minicontos, o tempo, o espaço, e até mesmo personagens. O autor faz uma transgressão ao cânone, como a frase título dessa resenha, tirada de um dos seus contos. Logo de início o autor nos oferece o que está por vir, no conto de abertura, intitulado: para não dizer que, “[..] com todo o mistério e segredo que o que segue é apenas um arranjo de invenções que fizeram escrituras mal ditas fazendo-se”
O miniconto, ou microficção, como alguns nomeiam esse gênero, é uma forma literária que exige do autor uma habilidade descomunal que é o de conseguir em uma narrativa curta, menor de que um conto “tradicional”, trazer sentido a um tema. Mas aludindo aos minicontos de Araújo, tem-se a impressão que ele teve a intensão de deixar o leitor incomodado, por escrever com muita franqueza e assumir tantas formas e assuntos dentro de um curto espaço.
Ao ser convidado a conhecer o mundo das palavras em Escrinvenções Mal Ditas o leitor fica diante de várias saídas ou seria melhor usar a expressão labirinto, o autor não joga com as palavras ele as arremessa na superfície branca. E é preciso demorar-se em alguns trechos, pois a subversão está do começo ao fim. Nos desafiando (sempre).

Inventa, ou relata um cotidiano cru, repleto de sarcasmo, o sarcasmo vem em jorros. A linearidade, caso alguém esteja apenas acostumado a um tipo de leitura mais tradicional, pode causar estranhamento. Será essa a intenção? O que chega até nós é uma escrita contemporânea, com ranhuras e rasuras, nada perfeita.
Dentro de sua pluralidade consegue ser único. Araújo nos coloca diante de muitas referências, geográficas, musicais, de filmes, códigos linguísticos. E também um mundo real, como pode-se perceber em Euforia, quando aborda a pandemia, mas faz de uma forma sutil, um assunto que nos dilacerou e dilacera. “[…] não há ninguém no lago. entro em um café. Uma veraneiro para na porta. ouço gritos vindo de uma caçamba fechada. estão proibidas aglomerações de mais de três […]”
Os minicontos de Araujo abordam uma variedade de temas que refletem a complexidade da experiência humana. Questões como relações familiares, conflitos sociais, ironias do cotidiano e dilemas existenciais são exploradas de forma bem humorada outras com nonsense e ainda em profundidade. Através de personagens que transitam por situações emblemáticas, o autor desta forma oferece uma visão crítica e perspicaz da sociedade contemporânea.
A leitura Escrinvenções Mal Ditas, causa impacto. Não problematiza a língua portuguesa, muito pelo contrário, anarquiza. Consegue explorar inúmeras possibilidades expressivas do gênero, oferecendo ao leitor uma experiência literária densa e multifacetada, pois o autor não entrega, sugere. Deixa para preenchermos esses espaços narrativos, causados por narrativas curtas. Como afirma o autor “[…] trata de inventar, rasurar, ir além, redobrar, corporear como potro chucro. talvez, sem nenhuma garantia, a viagem também te proporcione, leitor, escancarados sorrisos do gato de alice na personagem que autonomearás, nas tramas que teceres, autor ou narrador ou ariel. lerescreverler”.

Frederico Araujo – Ex-professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), dedica-se desde o final dos anos 1990 a estudos nos campos da epistemologia e da filosofia da linguagem. Desenvolveu junto a seu grupo de pesquisa um processo de criação e expressão coletivo nomeado “caosgrafia”, assim como um modo de proceder a escrita criativa nomeado “transescritura”. Tendo esse modo por referência, vem dedicando-se a criar ficções, algumas delas divulgadas em periódicos ou coletâneas acadêmicas. Dentre suas publicações individuais, destaca-se o livro de sua tese de doutorado “Saber Sobre os Homens, Saber sobre as Coisas: história e tempo, geografia e espaço, ecologia e natureza” (DP&A, 2003). Mais recentemente publicou seu primeiro livro de contos intitulado “Escrinvenções Mal Ditas” (Folheando, 2024). Atualmente volta-se também a gerir a nano editora malayerba junto a parceiros de aventuras literárias.
O que comentar?
A Andreia chegou bem perto, perto demais.
Foi a que melhor detalhou essa obra, esse “transtorno” maravilhoso literário.
O que não me engana é dizer ” ficções “.
Enxerguei mais do que devia ,talvez.
Conheço o autor há mais de 70 anos; só podia dar esse resultado mesmo.
Incomparável.