Com a navalha: Mariana Redd. Fiquem com 3 poemas delas.

A TERCEIRA MARGEM DO FIM
Há dois olhos ali
e cada um deles
liberta uma lágrima.
Há um coração
e um furacão
e terremotos
e silêncios.
Dezembro.
Vermelho
verde
branco
brilhos que piscam.
Faço amizade com o fim,
estou aqui quando ele chega.
Há uma porta
que se destranca.
Do outro lado,
espreita o começo.
Ainda não,
quase.
Oi, meu nome é memória.
Oi, meu nome é sonho.
Seguimos.
Somos.

POSSO FECHAR OS OLHOS?
Ando de olhos abertos
num mundo fechado
o que eu vejo não é
o que você vê.
Ando de olhos fechados
naquele outro mundo
aberto
aéreo
úmido
o que eu vejo não é
o que você vê.
Olho dentro
e vejo estrelas.
Há nuvens,
você diz.
Eu repito:
o que eu vejo não é
o que você vê.

PERDER O CONTROLE
Perder o controle perdido que nunca tive diziam mas tinha até demais diziam também que era cheia de amarras mas as mordaças eles não viam nunca verão porque estão com os ouvidos tampados para controlar o volume dos meus gritos que acredito estarem (des)controlados com uma voz imensa que treinei durante a vida inteira já que trabalho com isso e transformo ruídos em melodias mas que mandam diminuir quando está alto demais o que é quase sempre pois meu timbre mistura veludo e metal que são coisas palpáveis e me fazem pensar será que alguém consegue tocar a minha voz mesmo quando eu jogo ela longe de propósito mas muitas vezes é sem querer. PONTO. Perder o controle já perdido é controlar, desconfio. Nego desafios deixando os outros passarem. Podem ganhar, parabéns.
Tanto tempo passei sentada no banquinho do castigo que fiz dele algo meu. Controlo o momento de me levantar.
Há nós extremamente apertados. Mudam a forma. Não sei o que vejo.
Me levanto?
Ando?
Posso mesmo?
Meu próprio contorno só conhecerei
quando as cordas se afrouxarem.
Minhas mãos
(que escrevem)
já estão livres
e têm pressa.
Tenho dedos.
Tenho corpo. E frases inteiras na cabeça, com vírgula e sem vírgula, usando pontos, exclamações e travessões. Tenho parágrafos na barriga e muitos parênteses no peito, do tipo que só serão lidos pelos atentos. Minha língua de metal exala o gelo que minhas mãos desfazem em palavras.
Tem coisas perdidas que não devem ser buscadas. Por favor, não me diga mais onde elas estão.
Eu as encontrarei pelo caminho, como amigos que há muito tempo não via.

Mariana Redd é belo-horizontina formada em Letras e em Música. É escritora, revisora, tradutora e cantora lírica. Tem trazido suas histórias e sonhos para o público em antologias e coletâneas, além de compartilhar poemas, reflexões e opiniões numa newsletter.
Texto tocante, acessivel e elaborado.
Abraço de uma colega do clube das palvras.