MARCELINO RODRIGUES CUTRIM – 6 poemas
MARCELINO RODRIGUES CUTRIM – 6 poemas

MARCELINO RODRIGUES CUTRIM – 6 poemas

O navalhista do dia é Marcelino Rodrigues Cutrim. Do poeta seguimos com 6 poemas.

Revista O Navalhista

A ave e o pássaro

Ave palavra curta

pulo de bem-te-vi

seu canto breve

Na concha da mão ave se abre em asa

em a

          em v

                       e voa cega na luz

tão pequena os colegiais a têm

como perfeito monossílabo

uma abertura só

impulso único de som para o dia

Pássaro não

Começa límpido em a

depois se fecha em gaiolas de ouvidos

lá se deixa ficar

São muitos ss muitas penas

antes do vibrante r no ser trissílabo

e eis o pássaro na mão

sem poder voar

Fosse ave estaria no ar

Mas é pássaro e

seu o final o fecha em círculo

não se pode mais alçar

Outros há que o escutam pássaro liberto

entendem o a primeiro

o do acento

como já todo o voo

no espaço todo o lançamento

Dizem mais

os ss são as penas da asa

balouçando-se pra voar

Então vem o o átono

              o fraco

      o doente

a quebrada perna

Fossem os ss de assanhamento

de assanhada pássara

resolvida era a questão

se é pássara é livre

é feminina como a ave

Pássaro é masculino

começa o voo

                     não o termina

               se acabrunha

       se empoleira

se fecha em o

Ave todavia é

palavra rápida como a bala

ou melhor seu tiro

um estampido: um furo

um som: uma dor

Ave é assim

mal vem o a e o v se vai em alas

o a é a explosão do voo

é o balão que infla

e se solta virando sol na boca

o v são asas de gaivota

desenho livre de criança

e o e

quando o v bate suas asas

o e fica na lembrança

não importa mais

Veja-se bem

os moleques não se convidam pra caçar ave

mas para pegar passarinho

daí saem com suas arapucas

gaiolas bem armadas no terreiro

vão passarinhar

Ave fica para fotos

suas cores todas

em livros de Ciências revistas especializadas viagens registradas

para o admiro e a libertação

Empreste-se assim o a da ave ao pássaro

e grafe-se Pássara

como o fizera o poeta

João Cabral de Melo Neto

ou como alguns maranhenses chamam peixa

em vez de peixe

Pássara Pássara Pássara

em Sacconi em Faraco em Bechara

em Napoleão Mendes de Almeida

Pássara

ainda que pesada

nhandu jaburu colhereiro

ensaia o voo e só no ensaiar

é Pássara e está livre

no ar

Revista O Navalhista

De vinho tinto

De vinho tinto

tanto

eu fico tonto

e pronto

pra te dar trabalho

na hora do amor

Porque me canso

e canto

cento e tantas desculpas

que “ele” brochou.

Mas o vinho tinto

eu tendo

me surpreendo e tento

reconduzir-me ao posto

de grande amador

Só que vinho tinto é foda

o juízo lesa

o sentimento embota

retarda os movimentos

o amante incomoda:

Quero tocá-la

a cabeça roda

não vejo mais nada

só te ouço, irada,

bater a porta.

Revista O Navalhista

Horda de cupins, ó exército estadunidense

Horda de cupins, ó exército estadunidense

sobre as areias brancas das páginas de meus livros

velhos como o Velho continente

como o velho Golfo Pérsico

cheios de petróleo:

saber e cultura

dormindo nas profundezas da capa dura

de meus livros.

Eu os queria cupins exegetas, perspicazes cupins

que devorassem antropofagicamente

a cabeça dos homens escritores

cupins modernistas ou tropicalistas

para devolver com outro

o saber deglutido

Mas não,

só dejetos e egoísmo deles vêm.

Não raro brancos como os da “Força do Bem”

bolem-se iracundos contra fileiras e colunas

de frágeis letrinhas pretas

vestidas em suas burcas seculares.

Cupins, ó vanguarda do exército da Microsoft

da Grande Maçã

aí vão eles, destruindo a cultura do papel

do manuscrito, de Gutemberg, de séculos e séculos

Querendo nos incutir que o moderno

o correto, o único, o mais certo

é o disquete

o pen drive

a internet

e o poder que lhes cai às garras

e bocarras de miserandos cupins.

Revista O Navalhista

Meninas e meninos II

Quando, estando

no banheiro ao lado,

escutarei o jorro da urina

de meu marido amado?

– especulava a menina

Quando, estando

dela por cima,

sentirei na pele a pressão

da unha feminina?

– febricitava o menino

– E a voz rouca ao despertarmos juntos?

– E se ela roncar muito?

– Ele um dia me trará café à cama?

– E se o pai dela torcer pro Vasco da Gama?

– Vai ser realmente bom

ter o tal braço forte por perto?

– Até quando bancarei o namorado discreto?

– Não sei se,

igual a minha mãe,

por vinte anos tanto aguentaria…

– Talvez seja melhor nos pegarmos só por uns dias…

Revista O Navalhista

Meu coveiro tem três metros

Meu coveiro tem três metros

É meu medo, morte e libertação:

Um tubarão

para rasgar,

com seus dentes afiados,

todos os meus pedaços.

Minhas células

alimentando suas células

fundem-se ao azul

cor vadia que tudo habita.

Não, que se fodam os golfinhos

românticos, perfilados, bonzinhos,

que só me empurrariam para a beira,

E eu quero é o mar

Sua liberdade em imensidão

ficariam a estrada de minh’alma,

que só traria de memória pesada

os trezentos dentes, a fantástica garganta

e o interior maciço do tubarão.

No mais, apenas a leveza poética

de passeios cotidianos,

por entre corais,

esponjas,

e bolhas d’água do mar…

Revista O Navalhista

Minhas cinzas

Minhas cinzas espalhadas pelo ar

vejo minha irmã

meu irmão

meu sobrinho

mas…

Eles estão sorrindo?!

de que será que estão sorrindo?

Tanto faz, não me importa mais…

Agora pouso

na asa de um caga-lume

Tudo tão maravilhoso

translúcido

luminoso!

Sou apenas um pó

e ele também não se importa mais

não lhe aborrece o antigo humano

viajando em suas asas

sem cpf, sem dinheiro

amor ou casa.

Esta agora é a terra

e a Terra. Só.


Marcelino Rodrigues Cutrim

Marcelino Rodrigues Cutrim:

Nascido em São Luís do Maranhão, em 1969, licenciado em Letras (Português e Espanhol) e especialista em Alfabetização pela Universidade Federal do Maranhão, e Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Piauí. Três filhos, seis irmãos. Professor dos níveis Fundamental e Médio da rede pública. Militante do Pstu. Somos contra o Marco Temporal, contra o genocídio das populações negra e indígena, e todas as formas de opressão (feminicídio, machismo, lgbtfobia, etc.), contra as reformas trabalhista, administrativa e previdenciária, contra o Novo Ensino Médio. Pela Palestina Livre do Rio ao Mar. Pelo fim da escala 6×1. Instagram: @marcelinorodrigues30

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