O navalhista do dia é Leandro Machado. Ficamos com 5 poemas do poeta:

O Homem Radioativo
Sou filho do mercúrio industrial
A potencial aberração orgânica
Da explosão de plutônio e amônia
Originou-se a minha vida obsoleta
Patenteado por corporações petrolíferas
Meu sangue escorre o preto gasolina
Mutações moleculares irreversíveis
Herdadas de uma era cancerígena
Eis aqui o admirável mundo morto
Em tons vermelhos de pesticida e arsênico
Transportando patógenos nas vias sanguíneas
As novas formas de matar neste milênio
Pela galeria de arte nuclear
Nos acervos de pinturas visionárias
Está o homem radioativo, em tela futurista
Provocando epifania…

Ode
Em memória de Rodrigo Machado.
Ninguém viu os teus soluços de pranto
Na esperança que fria desengana
Eu me recordo daquele negro canto
Como foi triste o teu nirvana!
Ali repousas, e do corpo emana
O espírito alvo a deixar-te o manto
Rasgando as máscaras da aflição humana
Quebrando enfim, o desencanto…
E partistes irmão, partistes sem brado
Aos campos elísios vós fostes honrado
Na essência viva dos áureos conjuntos
Há de chegar aquele fúlgido momento
Em que dos grilhões quebrarei o tormento
E poderemos enfim, caminhar juntos!

Mártir Atômico
Sou o elemento zero da materialidade
Forjado à sombra imagem e semelhança
Herdo do princípio da infância
O átomo falho da fragilidade
Fomento de um Deus e sua vaidade
Visto-me da mais convicta ilusão
E saio carregando o meu próprio caixão
Neste mundo humano sem humanidade
Ah! Mas este destino é o meu calvário!
Deveras Deus então ser o vigário
Que guarda de minha alma desatina?
Visto que um dia hei de ser morto
O que sobrará deste meu corpo?
E desta alma que nunca foi minha?

A Passagem Funérea
Altar depressor, mortiço candelabro
Muros de lagrimas, minha passagem funérea
Fulgido escapismo, a tímida alegria
Assinatura de pré-morte, o horror para sempre…
Todas as portas se fecharam para mim
Desgraçado andarilho de círculos
Olhos cegos para não ver o futuro
Soturno estado sem fim
Flores morrem abaixo de um céu consternado
E elas foram as mais belas que vi em vida
No silenciar você pode clamar por mim
Para ver meu espectro caminhar ao seu lado…

Gárgula
Meu efusivo coração hemorrágico
Desconhecendo a tua face horrenda
Tornou-se presa miserável de oferenda
No teu insano ritual antropofágico
Na minha boca, teu sabor era letárgico
Aprisionado em tuas linhas de repulsa
Com teu olhar insidioso de medusa
Petrificou-me neste gárgula trágico
E fui um gárgula, resguardando teu ego
Mais de repente, no desespero de um cego
Arranquei os dois olhos de pavor
E enxerguei toda a desonra que cobria
Quebrando o copo até a borda que eu bebia
Envenenado em tua cidra de amor

Leandro Gonçalves Machado, 30 anos, natural de Breves-PA, na Ilha do Marajó. É Formado em Letras pela UFPA, romancista e poeta, com publicações de poesias nas revistas eletrônicas da USP, UFRN, UFPA (Falas Breves) e outras antologias. No ano de 2024 lançou pela editora Nauta, o seu romance Kaapora. Sua lírica absorve da poesia de Augusto dos Anjos, passando pela filosofia de Cioram, até chegar ao Heavy Metal, da qual é amante confesso. O resultado é essa combinação perigosa.