IAGO CARVALHO – 7 poemas
IAGO CARVALHO – 7 poemas

IAGO CARVALHO – 7 poemas

“Se existe um tema que perpassa quase todos os meus textos, é o existencialismo correlacionado com o fazer poético. Fazer poesia, para mim, reflete muito o existir”, diz Iago Carvalho. É por isso que as navalhadas do dia ficam por conta dele. Segue 7 poemas:

Revista O Navalhista

Findo amor

Refletindo sobre minha vida

Um dia me perguntei se algum dia

Conseguiria deixar de te amar…

A única conclusão que cheguei

Foi que

Na torpe hora da minha morte

Em frente ao anjo negro

Vislumbrando minha vida

Trocaria todas as memórias

Para ver as nossas uma última vez

Revista O Navalhista

Priorizá-la-ia

Ainda que me restassem suspiros limitados

Escolherei investi-los todos para te exaltar

Ainda que o tempo turve minha visão

Escolherei a ti como meu último vislumbre

Ainda que minhas pernas falhem

Usarei todas as minhas forças para ir até ti

Ainda que minha audição se perca

Lembrarei do timbre da sua voz

Ainda que minha memória se esvaia

Lembrarei candidamente de nossos momentos

Ainda que tudo esteja perdido para mim

Saberei que valerá a pena para ver um último sorriso seu

Revista O Navalhista

Em seu corpo há infinitas poesias

Em seu corpo há infinitas poesias

Que ainda não li

Em seus lábios tiraria mais mil versos

Que ainda não declamei

E no tocar do nosso último beijo

Senti mil piras queimarem em meu peito

Talvez nunca fosse para ser

Talvez um dia seja

Mas a memória agora me basta

Lembrarei sempre da poesia dos nossos corpos

Dos versos de nossos beijos

E das rimas de nossos sorrisos

Revista O Navalhista

PA de razão 1

E dos 12 que normalmente via andando

Apenas 13 voltaram

Seria um paradoxo

Mas não tive tempo de explicar

Pois já os 14 me puxavam para a rua

E ao meu lado, 15 malucos se moviam em direção ao bar

Eram apenas 16 horas

Mas 17 de nós já ansiavam pelo odor doce da cachaça

Entramos no 18° bar que encontramos

E bebemos 19 doses

Dei uma nota de 20 pratas

O dono do bar me voltou 21 de troco

Estranhei

Mas a mente obnubilada pelo álcool nem percebeu

Os 22 erros desse dia

Revista O Navalhista

Ornitorrinco

Queria ser poeta tal qual ornitorrinco é bicho

Assim como exibe seu bico de pato

Queria ter a métrica dos Anjos

Assim como tem sua cauda de castor

Queria o lirismo de Bandeira

Assim como bota seus ovos

Queria eu parir poemas como Andrade

Mas cruel é o mundo

Que não gosta de nós ornitorrincos

Ou é pato

Ou castor

Ou bota ovo

O amálgama é sempre malvisto por esses dias

Que sempre condenam

A irreverência dos ornitorrincos

Mas eu serei diferente

Através da minha casca de bicho homem

Esconderei bem no cantinho

Meu ornitorrinco

E da irreverência infinita do meu eu

Farei poesia de ornitorrinco

Revista O Navalhista

Macureca-Borró

Não esquecerei dos tempos de eu menino

Sentado à beira da entrada

Ouvindo vô Zé falar

Lembro-me como se fosse hoje

A barba feita

Cabelo ralo

Camisa de flanela listrada

Calças de paletó e botina

E sentado na cadeira de fio

O Velho punha-se a falar

Das mitológicas criaturas do mato

Das criações que banhavam-se no regato

Das chuvas e de nossos ancestrais

As histórias eram magníficas tais

Que o cérebro imaturo de poeta

Abraçava e amadurecia

De uma me lembro bem

Contada a todos nós netos

Sempre de maneira diferente

A minha era quadrúpede, tinha dentes

Algumas serpentiformes

Mas a estória era divinamente inquietante

Vô Zé recostava-se na cadeira de fio

Olhava para o além

E começava a narrar:

“O rapaz, tenho algo a te contar

Promete não te arrepiar

É sobre um bicho do mato

Que outrora tentei caçar

Era quadrúpede, monstruoso

Parecia uma paca, um tamanduá

Eu mesmo já vi, posso te contá

E quando na noite se corre na

Mata do Quem Qué

Vai ouvir seu barulho

A voz quase humana

Mas de tal forma demoníaca

Gritando um nome:

‘Geraldo! Geraldo!’

Eu sei, eu mesmo já ouvi,

Rapazinho, e ela grita por toda a mata

Sempre seu Geraldo, nunca outro nome

Agora estou velho

Não a caçar posso

Mas te digo, rapaz, nunca

Debande para os rumos do

Quem Qué

Pois lá vive um monstro

Um monstro que não tem dó

Meio paca, meio tamanduá

Lá vive a Macureca-Borró”

Meu eu jovem, imaginava uma criatura

Dantesca, feita pelo próprio Satanás

Eu mesmo nunca fui nas matas do

Quem Qué, nunca tive coragem

Mas agora, passados anos de tua morte,

Vô Zé, devo ao mundo contar

Das aventuras que vivera

Em busca do animal sem dó

Das aventuras que vivera

Para encontrar a Macureca-Borró

Revista O Navalhista

Conflitos de um poeta

O poeta Aurélio senta-se a escrever

Pega a pena

Molha no tinteiro

E se põe a redigir poesia:

“Vivo passarinhando pela vida

Vivo regatinhando a vida

E no proema…”

Aurélio! Proema não existe em nossa gramática

Como podes tu cometer tal erro?

“Ora! O que sabes tu, voz que me importuna?

Sois por acaso um literato?”

Não lho digo que erra, quem o diz é a Gramática

“Ora! E o que sabe a Gramática do português?

Se posso passarinhar

Posso muito bem passarinhar em um proema

Que tem a Gramática contra  minha prosa em 

                                                               [verso?

E passarinhava e passarinhava no proema

Os versos eram vagas

As estrofes, mares inteiros

E o golfinharão persegue o poeta em exercício…”

Certo, Aurélio. Passaste além do limite da lógica!

Inventas vocábulos

E agora inventa seres?

Como podes se declarar poeta?

“Ora! Deixe-me com meus golfinharões

Não o vi direito no mar de versos

Era borrado, não sei se golfinho

Não sei se tubarão

Poderia muito ser um ser amalgamado?

Que importa?

São poetas conhecidos pela verdade?

Nunca vi poeta honesto!

Mentimos por profissão”

“E passarinhava nos seus proemas

Sendo perseguido pelos golfinharões

Da dúvida, mais dúvida

Apaziguerreava …”

Aurélio, meu caro Aurélio!

Deverias desistir de ser poeta

Mentiroso, vagabundo, estúpido

Apazigua e guerreia

Sobre mor tema profundo

“E passarinhava nos seus proemas

Sendo perseguido pelos golfinharões

Da dúvida, mais dúvida

Com sua consciência apaziguerreava

Tentava criar poesia

Mas o Eu-lírico não deixava

Sobre o autor:

Iago Carvalho

Iago Carvalho — Universitário, depressivo, ansioso. Escreve para arrefecer um pouco as dores da alma. Nascido em Uberlândia-MG, viveu toda a sua infância e grande parte de sua adolescência em Inaciolândia-GO, nas margens do Rio dos Bois. Minha poesia é errática, mas se existe um tema que perpassa quase todos os meus textos, é o existencialismo correlacionado com o fazer poético. Fazer poesia, para mim, reflete muito o existir. As novas experiências que tenho, sendo uma pessoa completa e infinitamente incompetente no quesito social tem alimentado meus textos recentemente.

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