por Soraya Viana,
professora, tradutora e colunista da Revista Navalhista
enleve
a lança dos
seus olhos
sobre os
mais
relidos
lugares
A epígrafe acima, de Relances de mar e montanha (Mondru, 2025), indica a proposta de Aloisio Romanelli ao longo dos 36 poemas que compõem a obra.
Antes de colocar os óculos do poeta, no entanto, gostaria de destacar o projeto gráfico primoroso da edição. Assinado pela designer Gabriele Oliveira, ele é uma embalagem digna do conteúdo.
O livro organiza-se em três eixos temáticos complementares. A primeira parte, A vista das montanhas, nos leva a contemplar memórias, ritos e encontros inspiradores; em Rumo aos corais, figuram principalmente elementos naturais ‒ como a luz solar e o movimento marítimo. Guiados por eles, excursionamos por panoramas diversos, sob o filtro da alma poética ao divisar a linha do horizonte; por fim, em Retorno, como sói acontecer após uma viagem, nos voltamos para a concretude ‒ nem sempre encantadora ‒ da realidade, com sua dimensão física, seus objetos e afazeres.
A musicalidade aliterante dos versos remete ao caráter primordial declamatório da poesia. Assim, nós, leitores, somos convidados a encarnar menestréis e entoar as palavras do trovador:
A doida
dançando
se estendia em
sobrevoo
toda ela era o som (…)
Trecho de Caveira mexicana

A potência imagética dos poemas evoca, por vezes, uma roteirização audiovisual:
O relógio
no computador
alterna seus números
de hesitação.
Entre a poesia e o tempo
o branco da tela
é um mar medieval
em convite (…)
De Criaturação
Há ainda um elemento cinestésico perceptível na obra:
(…)
aquela porta cheirando
à madeira nova
de onde
você
vaporizada cheirando
a sutilezas de banho
se revelava
De Odores
Por fim, os versos de Romanelli contêm uma delicadeza que, paradoxalmente, empresta grandiosidade ao banal:
Vazio
e pregado à geladeira
o envelope amarelo aguardava
repetidamente
seu momento glorioso:
o conteúdo que iria, enfim, preenchê-lo.
De Introdução para um romance
A leitura de Relances de mar e montanha é experiência capaz de engrandecer uma terça-feira ordinária. Sua poética inspira a esmerar-se em de fato enxergar “os mais relidos lugares” do nosso cotidiano em seu deslumbramento potencial.
