1. Imagine que acabaram de lançar uma biografia sobre você. Qual é o título? Apresente a sinopse.
“Passarinho não é besta de beber água suja” seria o título se eu morresse já com a cabeça cheia de dentes-de-leão. Em caso de eu morrer sem ter galanteado o voo, “Entra no mundo portando somente tuas asas molhadas”. Estive no mundo, soube que amor, casa e pátria é dentro da gente. Descobri a bruxa da linguagem e tomei suas porções púrpuras. Fui bicho-planta-mulher-minério e soube que todos os seres têm o direito de ser felizes.
2. Indique dois/duas navalhistas que não podemos esquecer. São duas pessoas que escrevem: uma que já se foi e sua obra não teve a devida atenção que merece, a segunda uma pessoa que escreve em nossos dias e devemos ficar de olho.
Uma que já se foi: Idea Vilariño. Apesar de já ser consideravelmente conhecida, ao meu ver, ela deveria ser panfletada. Existe a minha vida antes e depois de ter escutado “Ya no”. Bruxônica ela. E vocês deveriam estar de olho na Diana Luz Neves, poeta mineira das boas, o que ela faz com a palavra é de uma feitiçaria elegante e fatal.
3. O que podemos esperar de sua literatura?
Talvez nada. Entre no livro disposto a ser mastigado pela linguagem, sem esperar nada que não seja parar na corrente sanguínea da palavra. Mas algo que vocês deveriam estar cientes é que a nossa espécie precisa construir um outro mundo possível. Não existirá planeta para nós se não acabarmos com o capitalismo. Sobrarão as gramíneas, e elas recomeçarão tudo, gargalhando do quão bobos somos. As samambaias se unirão com as rochas e farão um manifesto literário do lilás esverdeado.
4. Se a partir de hoje a vida te tirasse a possibilidade de fazer literatura, quem você seria?
Maria, neta de Maria e Raymundo. Afrodiaspórica, ecossocialista, sonolenta, adora vermelho e refrigerante de uva. Ouve e come de tudo, só usa vestidos longos. Gosta de filmes de terror e suspense. Tem 1,76 m de puro vapor, também vermelho. Já não sabe quantos gatos tem. Nasceu e cresceu no interior de Minas, mas ama corpos d’água. Entra em hipnose quando vê pássaros. Queria mesmo era ser mineral e viver parada. Quer morrer feliz.
5. Se você tivesse ciência de que estava escrevendo seu último texto, que mensagem você gostaria de deixar?
Ame e saiba que tudo é vapor. Nunca estarás sozinho. Sempre que abrir uma porta, lá estará ele: bússola, gaiola, peso, Deus, riso, grito e balanço: o corpo.

Maria Emanuelle Cardoso nasceu em 15 de novembro de 2000 em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Seu primeiro livro, intitulado Amarelo mostarda, sai pela Editora Nauta (2024). Anterior ao livro, sua obra vem sendo publicada em antologias e revistas ( Há quarenta e seis pés, Totem&Pagu, Cassandra, Aboio, Ruído Manifesto, Casa Inventada, Oficina Literário da Revista Cult, Cupim). Ganhou o segundo prêmio do Prêmio Poesia Agora Verão 2021 (Trevo) e participou do Clipe Poesia 2023 na Casa das Rosas.